Carlos Grassioli / Procura-se o aniversariane que deo o bolo

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É um rapaz… ou melhor um senhor. Não, não … um senhor rapaz… é… é melhor assim. Porque é exatamente esse o dilema desse ser nem tão dócil, nem tão fóssil, que chegou ao patamar dos seus 63 anos e que acabou de fugir de casa, carregando a mala, a mesma que nos anos setenta, cheia de ilusões, agora com outro conteúdo. Seu portador chegou numa idade em que, se nada ou pouco aprendeu, pelo menos na mesma mala, porque são excludentes, não cabem, juntos, sonhos e ilusões.

E dos sonhos ele precisa…pra viver!

“Espelho, espelho meu, por acaso esse senhor aí que me olha sou eu?” Perguntou, naquele dia ao espelho.

“Sim e não … Jovem demais pra ser senhor… e senhor demais  pra ser jovem”, respondeu o espelho.

O senhor pensou: “É preciso fazer alguma coisa … uma plástica?… quebrar o espelho?”

Mas o rapaz, porque mais jovem, mais impetuoso, foi quem tomou a decisão. Achava que ainda havia tempo para subverter fugindo, se não do tempo, pelo menos dos clichês, dos rótulos infames… dos lugares comuns.
A pessoa, quando passa dos sessenta, é tão merecedora de compaixão e, por que não?, de piedade, que foi preciso inventar palavras que “suavizassem” tamanho infortúnio… o de envelhecer.

Antes era a terceira idade, como se já não bastasse, no caso do aniversariante, ter nascido no terceiro mundo. Mas o cinismo foi mais longe e atingiu seu ápice quando se inventou para “fosseis” como ele a “melhor idade.”

Que maravilha!… de falácia!

Melhor idade tiveram seus centenários pais ao atingirem uma velhice digna e rodeados de amor e carinho.

Melhor idade tem sua talentosa amiga, nascida uma década antes dele, que vive só e não só celebra como faz vida, desenhando, pintando e escrevendo  pérolas.

Melhor idade tem a sobrinha dele de 19 anos, que é linda de morrer, que é inteligente, cheia de sonhos, que tem bom gosto,  que não usa creme nenhum e tem a pele de pêssego. Que pode comer o que quiser,  sem precisar fazer, “pelo menos, uma hora de exercício físico por dia”.

Melhor idade, definitivamente, teve ele na sua primeira infância, na idade de Querubim, quando não tinha consciência de quase absolutamente nada.
A idade dele, desse rapaz ou jovem senhor (de si, nem tanto), não é a melhor nem a pior. Não fosse a implacabilidade do espelho a lhe sinalizar com as marcas do tempo, muitas vezes ele sente a nítida sensação de ter a idade que sempre teve.

Mas o tempo urge… e ruge, principalmente nos anúncios publicitários que insistem em colocá-lo dentro de compartimentos pré-determinados, espécies de “solenes” camisas de força.

Por essas, por sentir-se em plena forma e por trazer , dentro de si uma boa dose de humor e alegria nascentes, ele escolheu, para comemorar seu aniversário, o rapaz ao invés do Senhor.

Além do que “os senhores”, em geral, ao se arrogarem donos de algumas verdades e certezas, preferem arriscar cada vez menos, em nome de uma segurança aureolada por uma “sabedoria que só com o tempo se adquire” e que ele vê como só mais uma, entre tantas formas de dar nome aos medos, inclusive ao de envelhecer.  

Libertar-se totalmente do medo, talvez, o maior sonho que ele carrega na mala, mesmo que, ao atingir esse objetivo, não signifique sentir-se mais seguro, ao contrário. Nem a maravilhosa natureza que o rodeia, muito menos a humana conhece a segurança completa.

Ou ele se aventura… ou ele não vive! Uma de suas poucas convicções.
No seu andar já se pode ver, manifesta, uma sorte de cansaço natural da sua condição humana. De quem vem rolando, ao longo de sessenta e três anos e colina acima, o rochedo de Sísifo, que lhe foi destinado “pelos deuses”.

De um Dom Quixote nem tão resignado e muito menos conformado, que embora tenha perdido, entre outras ilusões, a de encontrar um Cervantes que o contemple, se não como protagonista, pelo menos como figurante de algum romance de cavalaria, continua, e por uma questão de sobrevivência, apostando na  irreverência, a mesma que o impeliu a celebrar sua data natalícia fugindo de casa, sem dizer, se quer, a direção que iria tomar, mesmo porque a escolha seria absolutamente aleatória.

Menos o sentido, porque esse, como todo sonhador incurável, que algumas vezes, mais do que se sentir um estranho no ninho, se sente um estranho no mundo, será  o mesmo de sempre: o de finalmente encontrar um norte para si e, junto com ele, o devido e merecido apaziguamento, uma espécie de  felicidade desconhecida, que ele espera ou intuiu que a vida lhe reserva, para o momento certo.

Não é a esperança a última? Vox populis, vox dei!

E mesmo que essa felicidade esperada, possa estar lá longe ainda, na curva do tempo, ele sonha e haverá de ser, no mínimo, uma encantadora morada em algum porto do mundo, onde ele, já cansado de tanto viver e deitado no cais ou apoiado no quebra-mar, embaixo de um imenso céu azul, poderá contemplar –além do movimento das aves de arribação, que, assim como ele, passam a maior parte de suas vidas em trânsito, voando de um lugar para outro, o movimento dos barcos– o movimento dos navios que levam e trazem  aqueles que ainda possuem na sua plenitude a curiosidade, a força de querer, o desejo de viajar, de conhecer o mundo, o desejo de saber mais sobre o outro, sobre o desconhecido. O desejo!

Mas enquanto “seu norte não vem”, já se dá por satisfeito de ter garantidos, até aqui, pelo menos dois direitos que ele considera sagrados e fundamentais:
O primeiro, que é o que garante a ele, somente a ele e a mais ninguém, decretar, se for o caso e no momento oportuno, o fim do seu prazo de validade.

O segundo, também tão ou mais precioso e inalienável, que  é o direito  que lhe garante, ao longo desse,  já nem tão longo e findável percurso, esteja onde estiver, parar sempre, no mesmo dia e mês do ano…. para fazer a festa!

CG. es escritor.

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1 comentario
  1. Carlos Grassioli dice

    O aniversariante agradece a publicação, mas faz uma ressalva bem humorada: Acha que talvez tenha havido um pequeno equívoco, em relaçaõ à foto que ilustra o texto. Ele completou 63 anos e não 93, de toda maneira a foto é belíssima e ele sugere que quarden-na para a crônica de seus 93 anos, daqui 30 anos.
    E aproveita para dizer que saiu de casa, naquele dia(e não é metafora) pegou a estrada em direção e sentido «norte», não andou nem 20 KM, e uma queda de barreira, na estrada, o fez ficar parado em meio a uma imensa fila de carros e caminhões durante horas.
    Num determinado momento, pra não se deixar contaminar pelo mau humor geral na sua volta, abriu o porta luvas do carro, e lá estava um cd que ele esqueceu que havia comprado já há alguns dias atrás, num brechó, pensando que poderia ser a trilha sonora de sua festa caso fizesse. O CD é «CREEDENCE CLEARWATER, REVIVAL», Rock da pesada que ele havia escutado e dançado muito na década de setenta.
    Colocou no ap. de som do carro que é muito bom e potente, abriu a porta saiu pra estrada e começou a se balançar ao ritmo da música até o momento que se deixou envolver totalmente pelo som e começou a dançar mesmo, como se estivesse sozinho e em casa.
    Tanto na sua direita como na sua esquerda, todos os carros foram abrindo as portas ( até uma combi de religiosas)e a expressão das pessoas era de absoluto espanto, o que não impediu que ele continuasse até o momento em que a fila começou a andar.

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