Dos prazeres solitários e as estações: verão

Carlos Grassioli.*

Saudades, na primavera, é preparar a casa para seus amigos, que, como aves de arribação, haverão de chegar. Porque é para seu patrimônio mais precioso, seus poucos amigos, esse prazeroso ritual do preparo. E em receber os amigos no verão, nisso, Luzia, professora aposentada, continua mestra!

Como se estivesse em plena sala de aula, como se mudasse de tamanho, assumindo uma postura altiva, que lhe confere um poder natural, ela então exerce de novo e com prazer seu momento majestade. E os amigos adoram!

O verão é vigoroso e ao mesmo tempo é um convite à preguiça pagã, à lascívia e como todas as estações, possui sua sonoridade, sua musicalidade particular. Não existe fundo musical mais perfeito do que uma sinfonia de cigarras, para encerrar um dia de verão e embora remeta a certa monotonia, Luzia assiste com grande prazer a esses concertos, e de preferência, no mais absoluto silêncio.

É, também, a estação dos reencontros, das longas noites de conversas e do convívio coletivo prazeroso. “Guardiã do fogo”, Luzia é sempre a última a se recolher, mas antes disso, quando a casa já se encontra totalmente às escuras, ela dá início ao ritual silencioso, seu grande prazer secreto e solitário: com toda a calma do mundo e em movimentos lentos, como se fosse uma dança, cuja coreografia conhece de cor, ela vai enchendo a banheira com água em temperatura tépida, quase morna e perfumada com ervas de cheiro do jardim.

Em seguida, a cabeça repousada numa pequena almofada e com o resto do corpo imerso, Luzia já quase nem respira. E o silêncio só não é absoluto, porque ela consegue escutar e identificar o respirar particular de cada afeto conquistado e que dormem em camas que ela mesma preparou.

Muitas vezes, consegue até, vislumbrar o sonho de cada um e algumas vezes, inebriada, escolhe um e “ pega carona”, acordando-se no meio da noite, sentindo um pouco de frio. Mas ”feliz como um chafariz”!

Verão de 2011.

* Escritor.