O rei está nu

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Carlos Grassioli*

Perplexo diante da atitude do Papa em Angola, acabei me inteirando de uma série de manifestações contra o seu discurso, e inspirando-me nelas, numa espécie de colagem, faço ou escrevo, então, o meu protesto. O que se pode dizer ou pensar de um líder religioso que possui uma influência moral poderosa como o Papa, que, ao pisar pela primeira vez o solo de um continente crivado de grandes e graves problemas sociais, sobretudo problemas de saúde, como a África, se manifesta veemente e publicamente contra o combate à AIDS por meio da distribuição de preservativos?

A afirmação do Papa de que a distribuição de preservativos não é um método efetivo de prevenir a AIDS/SIDA e que não é compatível com estudos científicos sobre o tema é falsa e poderá ter conseqüências mortais, além de contradizer estudos sobre prevenção da AIDS/SIDA .

Mais ainda: significa um enorme retrocesso para décadas de trabalho em educação e conscientização, trabalhos esses que têm tido a participação efetiva de centenas de religiosos católicos do mundo inteiro, que, cientes da grande importância do método, por razões óbvias, discordam do discurso do Papa.

Não quero acreditar que o Sumo Pontífice, Sua Excelência ou Sua Santidade, seja lá qual for a sua pompa, o Papa, conhecedor dos problemas graves que assolam o mundo, sobretudo a África, com influência moral sobre mais de 1,1 bilhões de católicos no mundo todo, e com 22 milhões de infectados pelo vírus do HIV na África, tenha consciência de que suas desastrosas e equivocadas palavras podem afetar dramaticamente a epidemia colocando milhões de vidas em risco.

Eu não quero e não posso acreditar que um líder religioso sério e responsável priorize, numa espécie de cruzada, a disputa religiosa em detrimento de uma questão séria de saúde pública mundial.

São de assustar fatos como este, que não fazem mais do que remeter à desesperança.

Fidelidade e respeito são aspectos louváveis e desejáveis para toda e qualquer relação humana, mas não são suficientes para impedir a disseminação desta doença trágica.  Não há uma solução fácil, mas preservativos e educação são comprovadamente o melhor método para prevenção e não levam ao comportamento de risco. É por isso que até mesmo padres e freiras que trabalham na África têm questionado o discurso do Papa.

Todas as opiniões pessoais, seja de católicos ou não, merecem ser respeitadas, mas eu acho que todo ser humano de bem, seja qual for sua religião, deveria exigir de seus líderes ou representantes que parem de falar abertamente contra as estratégias de prevenção que funcionam. É importante que pessoas de todas as religiões, especialmente os católicos, digam ao Papa que é preciso ter cuidado em relação a este assunto.

As declarações do Papa Bento XVI contra o uso de preservativos poderão colocar milhões de vidas em risco e com isso, se não o rei… O Papa está nu.

25 milhões de pessoas no mundo todo já morreram e 12 milhões de crianças se tornaram órfãs devido a este flagelo e enquanto fizermos silêncio de quem cala consente, ou ouvidos moucos para discursos como o do Papa em Angola, estaremos assinando embaixo de uma sentença de morte da esperança.

E aí então, mais uma vez, fica valendo a máxima de F. Dostoievski: “Cada um de nós é culpado perante todos, por todos e por tudo”.

* Escritor.

 

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