Brasil, DDHH: – CONVOCATORIA A LOS CONSEJOS DE LOS ESTADOS

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Aparecida en la revista Piel de Leopardo, integrada a este portal.

Conforme o que foi estabelecido na última reunião do Fórum, participarão do encontro dois representantes de cada Conselho Estadual, sendo um da sociedade civil e um da esfera governamental, observando que um desses dois nomes deverá ser o Presidente do Conselho ou quem for delegado pela Diretoria.

Mais informações, detalhes da programação e envio da ficha de inscrição deverão ser remetidas para a Comissão Organizadora do Encontro através do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte, pelos e-mails cdhmp@dhnet.org.br e aluiziomatias@dhnet.org.

Reflexões sobre a formação do educador
em direitos humanos no ciclo básico

O texto completo da palestra proferida pelo histórico militante social brasileiro Antônio Carlos Fester**, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, no simpósio intitulado Educação em Direitos Humanos na Educação Básica, que aconteceu sábado passado, 2 de setembro, durante o I Congresso Interamericano de Educação em Direitos Humanos em Brasília.

Como neto, filho, afilhado e marido de professoras, como professor eu mesmo, sou testemunha da ética, do trabalho e da competência que distingue grande parte do professorado. Sei que a educação no Brasil tem, como o próprio país, características que a tornam única, exemplar e promissora, especialmente no como se dá a relação professor-aluno, das mais efetivas, afetivas e menos hierarquizadas da educação internacional. Quero lembrar, portanto, um professorado anônimo e dedicado que diuturnamente se imola no exercício de tentar fazer o aluno pensar e ser sujeito de sua própria vida, de sua história. 

Além dos dezoito anos em que venho trabalhando com a educação em direitos humanos tanto no ensino formal quanto no informal, e face às últimas pesquisas, avaliações e notícias sobre a educação brasileira, tão negativas, bem como às minhas observações e diálogos com vários profissionais da área do ensino, início a minha reflexão propriamente dita com uma pergunta : O professor é detentor dos seus direitos humanos?

1. Crise e paradoxo da docência

A docência vive, nos dias de hoje, entre outros aspectos, uma crise e um paradoxo. A crise vem de há muito e o mal estar que atinge o professorado é de conhecimento geral, levando a uma auto-depreciação “acompanhada por um sentimento generalizado de desconfiança em relação às competências  e à qualidade do trabalho dos professores, alimentado por círculos intelectuais e políticos que dispõem de um importante poder simbólico nas atuais culturas de informação”(NÓVOA, 1992, p.22 e segs.).

O paradoxo, ainda segundo o autor citado, decorre da brecha “entre a visão idealizada e a realidade concreta do ensino. É nesta falha que se situa o epicentro da crise da profissão docente, que pode ser útil se soubermos apreender na sua acepção original (krisis = decisão), assumindo-a como um espaço para tomar decisões sobre os percursos do futuro dos professores”.

O futuro dos professores tem a ver com a sua formação, que “precisa ser repensada e reestruturada como um todo , abrangendo as dimensões da formação inicial, da indução e da formação contínua (Hargreaves, 1991). Os modelos profissionais de formação de professores devem integrar conceptualizações aos seguintes níveis: ‘(1) contexto ocupacional; (2) natureza do papel profissional; (3) competência profissional; (4) saber profissional; (5) natureza da aprendizagem profissional; (6) currículo e pedagogia’ (Elliot, 1991). E acrescenta Nóvoa que parece evidente que as Universidades e as escolas são incapazes de atender à estas necessidades isoladamente.

E a articulação entre Universidade e escola se dará através da “definição de novas figuras profissionais e pela valorização dos espaços da prática e da reflexão sobre a prática (Zeichner, 1992)”. Nesta  “terceira via”, define-se a “práxis como o lugar da produção da consciência crítica e da ação qualificada (Adler, 1991; Rudduck, 1991). Como resultado, “é natural que os esforços inovadores na área de formação de professores contemplem práticas de formação-ação e de formação-investigação”.

2. Alguns fatores determinantes na formação do docente

Na “verdade não se ensina o que se sabe, mas o que se é”, disse Jean Jaurès (CIAMPI, 2000). Para se pensar na formação de um educador em direitos humanos, é imprescindível lembrar que sua intervenção pedagógica “é influenciada pelo modo como pensa e como age nas diversas facetas de sua vida” (Langford, 1989, in SACRISTÁN, 1992, p.66 e segs).

Para Hoyle (1987), “há seis fatores que determinam o prestígio relativo da profissão docente, comparativamente a outras: 1) A origem social do grupo, que provém das classes média e baixa. 2) O tamanho do grupo profissional que, por ser numeroso, dificulta a melhoria substancial do salário. 3) A proporção de mulheres, manifestação de uma seleção indireta, na medida em que as mulheres são um grupo socialmente discriminado. 4) A qualificação acadêmica de acesso, que é de nível médio para os professores dos ensinos infantil e primário. 5) O status dos clientes. 6) A relação com os clientes, que não é voluntária, mas sim baseada na obrigatoriedade do consumo do ensino”.

E, mais adiante, continua Sacristán, ser inegável “que a imagem social interfere na escolha da profissão, assistindo-se a um processo do proletarização do professorado (Ortega, 1989; Apple, 1989).

E reitera que esta “análise permite compreender melhor a profissionalidade, na medida em que a atividade docente não é exterior às condições psicológicas e culturais dos professores. Educar e ensinar é, sobretudo, permitir um contato com a cultura, na acepção mais geral do termo; trata-se de um processo em que a própria experiência cultural do professor é determinante.

“Neste sentido, é importante repensar os programas de formação de professores, que têm uma incidência muito forte nos aspectos técnicos da profissão que nas dimensões pessoais e culturais”.

3. Algumas respostas ou mais perguntas

Falamos de crise, de auto-depreciação, da origem social, da profissão como sendo a de um grupo socialmente discriminado: o grupo das mulheres; falamos de proletarização do professorado, do professor refém, aspectos que nos permitem começar a concluir que os professores não são detentores de seus direitos humanos.

Direitos humanos aqui entendidos como os indispensáveis para a dignidade da pessoa humana. Permitam-me lembrar que definem o ser humano na sua dignidade de pessoa: certas necessidades fundamentais (viver, respirar, falar, amar, pensar, comunicar, trabalhar, estudar, morar, ir e vir, reunir-se e outras); a igualdade; a liberdade (possibilidade de orientar-se pela decisão individual ou grupal); e a subsistência em condições dignas: não basta viver, é preciso viver dignamente. Lembro ainda que a dignidade humana não está no que a pessoa faz ou possui, mas no simples fato de ser uma pessoa humana.

A maior parte dos professores não tem garantida a subsistência em condições dignas (acabamos da falar de proletarização) e tampouco tem condições dignas de trabalho, ao contrário, necessita dar aulas e mais aulas, sem tempo para reciclagens, estudos e lazer cultural, para ter o mínimo necessário para si e para sua família.

O brasileiro bem ou mal tem noção do que seja a liberdade. Não tem a menor noção do que seja a igualdade, insiste o professor Fábio Konder Comparato. A escravidão oficial mais longa do ocidente, a atual concentração de renda e conseqüente má distribuição, que nos coloca em primeiro lugar no mundo, e quando não, apenas abaixo de uns dois miseráveis países africanos, levam-nos à pouca valorização da vida (e por isto somos os campeões mundiais em acidentes de trabalho, de trânsito, em policiais mortos e em policiais matadores), levam-nos à formação de uma mentalidade que valoriza a pessoa pelo que ela faz ou possui mas não apenas pelo fato dela ser uma pessoa humana.

Portanto, o trabalho com educação em direitos humanos, seja a que nível for, no ensino básico, no universitário, qualquer que seja o nível, mais do que uma questão de conteúdos – que é também –  é, sobretudo, uma questão de mudanças de mentalidade. Não estou colocando nenhuma novidade. Repito-me deliberadamente porque aqui está o cerne da questão da educação em direitos humanos.

Os que trabalham com educação em direitos humanos sabem disto há tempos, como se pode comprovar em relatos contando das experiências da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, com Margarida Genevois e Marco Antonio Rodrigues Barbosa à frente, na Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, ao tempo em que Paulo Freire e Mário Sérgio Cortella foram secretários da educação, e na Secretária da Justiça do Estado do Paraná, com Wagner Rocha D´Angelis e outros (FESTER, 2005).

Vimos acima, a partir dos autores estudados e mencionados, que a experiência cultural do professor é determinante para a sua prática docente; que a prática pedagógica é influenciada pelo modo como pensa e age nas diversas facetas da vida, isto é, influenciada pela sua mentalidade.

Mentalidade aqui entendida como forma de pensar, sentir, reagir de maneira espontânea, não criticada, sem fundamento racional ou justificação, o que lhe dá uma força e permanência muito grandes.

Mentalidade tem a ver com consciência de classe, é forma de auto-preservação do grupo ou comunidade, chegando a tornar-se agressiva, intolerante e autoritária. A mentalidade cria preconceitos, empecilho maior para a construção do conceito de igualdade. A mentalidade dissimula-se a si mesma.

A reviravolta na África do Sul é bom exemplo de mudança de mentalidade através de meios pacíficos. Passou-se de um governo de minoria branca para um governo de maioria negra, porque deu-se à comunidade condições de fazer auto-crítica de sua mentalidade.

No Leste europeu, o fracasso do chamado socialismo real deu-se pela permanência das mentalidades. Mudaram-se as condições de vida, mas não as mentalidades.

No Brasil, temos pela primeira vez um operário na presidência da República. As próximas eleições melhor indicarão quais os rumos da mentalidade da maioria do povo brasileiro.

Em nosso país ,há um sem número de contradições que ora parecem indicar uma mudança de mentalidade, ora parecem indicar permanências, especialmente no que se refere ao desrespeito aos direitos humanos. Por isto, este Congresso e o trabalho efetuado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos são alentadores mas necessitam de contribuições e críticas, do que esta minha fala é um incipiente ensaio.

Coloco, portanto, outra e importante, a meu ver, pergunta: quais os problemas da prática docente, no Brasil?

4. Alguns aspectos da educação, no Brasil

Em avaliação efetuada pelo Pisa – Programme for International Student Assessment, lançado pela OCDE-Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos, abrangendo quarenta países, o Brasil situou-se em último lugar quanto ao ensino de matemática.

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB também constatou maus resultados nas escolas de ensino público do país. Dados de 2001 informam que 59% das crianças com 4 anos de escolarização ainda eram analfabetas e detectaram a tendência a uma queda progressiva no padrão de rendimento escolar. Assim, 980.000 crianças na 4ª série do Ensino Fundamental não sabem ler (desempenho muito crítico) e mais de hum milhão e seiscentos mil apenas lêem frases simples (desempenho crítico), conforme site do próprio Ministério da Educação.

O mesmo site diz que há urgência na implementação de soluções estruturais, tais como a valorização e a formação do professor, gestão democrática e eficiente da escola, monitoramento dos resultados pelos profissionais da educação, pela opinião pública e pelos poderes públicos. Para fazer frente à situação, o Ministério da Educação criou o programa “Toda criança aprendendo”, que envolve outros programas e a construção de sistemas estaduais de avaliação, ao lado de diversas ações.

No Brasil, há alguns mitos sobre a educação que precisam ser discutidos e o professor é refém de diversos fatores (ZAGURY, 2006). Por exemplo, é bom lembrar que afeto e carinho – entre professor e aluno – são sempre positivos, mas não determinam, por si sós, a aprendizagem.

“Por melhor que seja a atuação do professor, ela jamais eliminará o fato de que o aluno é parte ativa e integrante do processo e que dele depende uma cota de responsabilidade a ser dividida coma instituição”.

“A idéia inicial de participação da comunidade na escola desvirtuou-se, transformada em pressões que nada têm a ver com ação educacional. E que só fazem diminuir o espaço de atuação da escola, transformando-a, a seu turno, também em refém do ‘cliente’ (no caso da escolar particular) ou de indivíduos de ética questionável, que, sabemos, infelizmente dominam em alguns casos parte das comunidades em que a escola está situada (em se tratando da rede pública). Uns usam o poder do dinheiro, outros, o da força física e o medo. Em qualquer um, a escola e os docentes tornam-se reféns de uma situação na qual gradualmente perdem espaço para agir de forma educacional, com independência e segurança”.

A participação da comunidade é essencial e indispensável para a educação em direitos humanos, sem desconsiderar a análise de Tânia Zagury, a seguir. Mas se com participação inadequada, é o momento em que a escola poderá ensinar não só aos alunos mas, também, à comunidade.

Zagury considera importante a participação da comunidade (famílias, especifica com um parêntesis) mas crê que é um mito que a sua participação seja essencial à qualidade de ensino.

E pondera: “No momento, porém, em que tal participação se reveste de caráter impositivo, de confronto, de manipulação ou luta por poder, jamais poderá ser considerada positiva ou democrática. À comunidade cabe participar, sim, mas para fortalecer o princípio de igualdades de direitos, não para impor condições e jamais para obter vantagens para si ou para seus filhos.

“Quanto à ação da justiça, de advogados e dos Conselhos Tutelares, é importante que analisem profundamente sua função como mediadores em situações de conflito. É essencial que continuem cumprindo seu papel, evitando, porém, ações que inviabilizem ou inibam a atividade educativa e socializadora da escola, que precisa ter segurança e respaldo da sociedade, além de ser respeitada e vista como instituição constituída de profissionais especializados…”

Outro mito é o de que se um percentual significativo de alunos apresentou mau resultados, a falha é do docente. Bons professores, boa infra-estrutura escolar aumentam geometricamente o percentual de alunos com resultados positivos, mesmo os desestimulados. Mas analisar o fracasso escolar implica em considerar a questão em toda a sua complexidade e procurar um culpado “- um apenas – é visão simplista ou que embute algum outro interesse”.

Para Zagury, o professor é refém da má qualidade de ensino que ele próprio recebeu; da falta de tempo; das pressões de toda ordem a que está submetido; da própria consciência, que lhe revela suas limitações e impotência; dos alunos, que muitas vezes o enfrentam, chegando até a agredi-lo fisicamente; refém da família, que não cumpre mais o seu papel socializador dos filhos; refém de uma sociedade que o ameaça com medidas cautelares, mandados de segurança e processos…

5. Alguns perigos, uma pesquisa e comentários

Embora veja a educação como questão muito mais ampla e complexa que o conjunto de técnicas, ainda assim estou utilizando esta autora, Tânia Zagury, por nos oferecer dados que nos auxiliam a entender melhor a questão docente.

Zagury vê três fatores técnicos contribuindo para a queda da qualidade de ensino: 1) má compreensão e distorção das novas linhas pedagógicas aplicadas – devido à escassez ou inexistência de treinamento docente adequado, antes da implantação; 2) falta de experimentação prévia em projetos-piloto, antes da implantação geral ao sistema; 3) raro acompanhamento de resultados de cada nova proposta implantada.

Lembra que cada inovação é apresentada como a melhor e urge colocá-la em prática ainda que daqui a três anos apareça outra, ainda melhor, que a substituirá e implique em seu abandono.

E pergunta: “como atender às complexas tarefas de um currículo que, a cada ano, é acrescido de novos desafios (por exemplo: como tratar com segurança e adequação o tema transversal ‘Prevenção ao uso e abuso de drogas’, se a realidade brasileira nos mostra que parte dos professores nem escreve corretamente ? Ou se jamais teve contato, sequer visual, com a forma física do crack?).

“Se deslocarmos o foco de nossa atenção dos grandes centros urbanos e nos voltarmos para os professores da área rural ou da periferia das grandes cidades, a defasagem será certamente ainda mais grave.”

No Brasil, conclui ela sobre o tema, “as mudanças educacionais têm sido ‘de papel’, ocorrem na ‘lei’. Mas lá na sua sala de aula, o professor não recebe o treinamento de que necessita para efetivar com segurança o novo modelo. Muito menos chegam a ele os suportes necessários de infra-estrutura física, material, ou os equipamentos que poderiam ao menos possibilitar alguma chance de sucesso”.

A partir de 2002, Tânia Zagury, professora Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, deu início a uma pesquisa do pensamento do professor brasileiro da educação básica, efetuando 1.172 entrevistas e considerando uma margem de erro de 3% para mais ou para menos. A pesquisa abrangeu 42 cidades, 22 estados, foi colhida de forma espontânea e não identificada, na qual 93% dos entrevistados eram mulheres e 7% homens. A maior parte dos docentes estava na faixa etária entre os 31 a 40 anos: 44%; Entre os 25 e 30 anos, 25% e entre 42 e 50, 20%. Maiores de 50 anos totalizaram 5% dos pesquisados e entre 17 e 24 anos encontramos os restantes 6%.

Experiência profissional superior a dez anos compreendeu 62% dos docentes e 14% tinham cinco ou menos anos de experiência. Quanto ao grau de instrução, 50% tinham o superior completo; 31%, especialização ou aperfeiçoamento; 17% apenas o nível médio e 2% tinham o mestrado.

Professores da rede pública de ensino constituíram 67% da amostra; 17% da rede particular e 16% trabalhavam em ambas. O estudo contou com professores de todas as disciplinas que constituem componentes básicos do currículo do Ensino Básico. Docentes de Educação Infantil não foram incluídos na amostra.

Creio que a pesquisa sobre alguns temas nos interessa enquanto reflexão para a educação em direitos humanos no ensino básico.

Quanto à progressão continuada, 66% só vêem validade “caso a implantação seja simultânea a outras medidas que assegurem a consecução dos objetivos pretendidos. Somando-se os percentuais das opções intermediárias (‘medida meramente política’ e a que vincula a medida à ‘ queda na qualidade de ensino’), obtém-se um total de 95% de professores contrários à Progressão Continuada”.

Como as cinco maiores dificuldades dos professores apareceram: manter a disciplina em sala de aula (22%), motivar os alunos (21%), avaliar os alunos (19%), atualizar-se (16%), escolher a metodologia adequada a cada unidade ou aula (10%), além de outras.

Como as cinco primeiras dificuldades e causas para manter a disciplina em sala de aula, foram colocados : 1) os alunos não têm limite / são rebeldes / agressivos / faltam com o respeito (44%); 2) falta de educação familiar / liberdade familiar / falta de educação (19%); 3) falta de compromisso / interesse / apoio da família (11%); 4) excesso de alunos em salas de aula / salas superlotadas (9%); e, 5) falta de interesse / motivação dos alunos / alunos dispersos (6%).

Analisando o aspecto da disciplina em sala de aula, Zagury escreve que a família abriu mão do seu papel de geradora da ética e que é “preciso rever – com urgência – a questão da autoridade e dos limites (aí compreendidos como a relação equilibrada entre direitos e deveres dos alunos) dentro do contexto família-escola, sem o que dificilmente poderemos alcançar o objetivo ‘qualidade na educação’. A instituição escola precisa reencontrar-se com seu papel de autoridade, sem que isso represente autoritarismo. O professor necessita ter o apoio e a sustentação da sociedade para concretizar uma ação socializadora”.

Para mim, preocupou-me a ênfase dos professores, quanto às dificuldades na sala de aula, no comportamento dos alunos. Apenas 2% referiram-se à insegurança do professor  e à desvalorização do professor, da figura do professor. Em alguns casos, parece-me haver uma oposição, um fosso, uma luta entre professor e aluno.

Gabriel PERISSÉ (2006), doutor em filosofia da educação pela USP, em diversos artigos no jornal Correio da Cidadania, vem analisando o ensino e suas circunstâncias. Diz que o Orkut, site de relacionamento criado pelo Google em 2004, é a cara do brasileiro e tem diversos sites de professores, dos quais uma comunidade chamada “Professores sofredores” tem 5.800 membros. A afirmação, por exemplo, “Eu tenho um aluno idiota”, recebeu mais de 200 comentários, alguns sensatos, mas outros inaceitáveis no teclado de um educador, escreve ele. E acrescenta: “Dor, ressentimento, ironia, zombaria, esperança, coragem, raiva e alegria vêm à tona no Orkut dos professores. Professores talvez pacatos e silenciosos nos corredores das escolas, que expressam no ambiente virtual (ou estão apenas se divertindo um pouco, altas horas da noite), pensamentos nascidos durante o trabalho em sala de aula. Fica a sugestão de pesquisa. Analisar esses testemunhos, em que os internautas docentes chegam a fingir que é verdade aquilo que deveras sentem”.

Em outro texto, adverte que professores “sem classe perdem o direito às suas classes porque deixaram de fazer jus à classe a que pertencem. Nossa classe não tem como função desclassificar os alunos. Ainda em um terceiro texto, a que denominou de “Professores insaciáveis”, insiste que reeducar “a Educação significa tornar os professores insatisfeitos. Não apenas descontentes com o quadro geral do país. Insatisfeitos consigo mesmos, dando-lhes condições para que se tornem imprescindíveis e insubstituíveis”.

Mas, voltando a Zagury, quanto à não atualização, o porquê dos professores não se reciclarem, ficou claro na pesquisa: falta de tempo e de recursos financeiros impedem os docentes de investirem em sua qualificação.

Para uma avaliação dos professores diante de alguns pressupostos pedagógicos, foi-lhes solicitado que considerassem falas ou verdadeiras algumas afirmações:

1)      A melhor forma de disciplinar é conseguir motivar o aluno (verdadeira para 95%).

2)      A boa escola é aquela que ensina valores e conteúdo (verdadeira para 94%).

3)      A reprovação só causa danos se for injusta e o aluno não tiver tido real oportunidade (91%).

4)      Bom professor não é o que ensina, mas o que leva o aluno a aprender (87%).

5)      Bom professor é aquele que tem conteúdo, sabe transmiti-lo (verdadeira para 86%).

Zagury conclui que, em relação às modernas teorias da educação, a pesquisa mostrou que: “A maioria dos docentes brasileiros, nas últimas décadas, agregou novos pressupostos pedagógicos aos seus conceitos educacionais, mostrando-se abertos à mudança. No entanto, em relação a idéias com as quais não concordam, mantêm uma postura crítica, sendo capazes de expressar de forma clara e franca os seus pontos de vista”. (p.159).

Quanto à informação do docente, apenas 52% lêem um jornal diariamente, 40% lêem um livro de literatura por mês, 71% lêem 2 livros de Educação ao ano e 63% assinam uma revista de Educação. Zagury lembra que “as políticas educacionais precisam providenciar medidas que efetivamente lhes possibilitem adquirir com freqüência e facilidade livros e assinaturas de revistas e jornais” e que os descontos de 10% sobre o preço de capa que os professores tinham nas livrarias do país foram suprimidos em quase todas.

Paulo Freire revelou-se o teórico em Educação mais conhecido (97%), seguido por Piaget (96%), Vigotsky (89%), Emília Ferrero (88%) e Montessori (88%).

Para nós, da Comissão Justiça e Paz de São Paulo e da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos é alentador que Paulo Freire seja o mais conhecido, ainda que apenas 72% tenha mostrado consistência ao relacionar corretamente autor/obra/idéia (no caso de Piaget, 68%).

Afinal, as idéias do Projeto Educação em Direitos Humanos basearam-se nas dele e nas da Teologia da Libertação. Acontece que os teólogos da libertação, frei Betto entre eles, consideram-se devedores das idéias de Freire. Também o saudoso Luiz Perez Aguirre, jesuíta uruguaio que combateu a ditadura daquele país, um dos mais importantes educadores em direitos humanos, que tinha assento na UNESCO, baseou-se nas idéias de Paulo Freire.

Mas, ainda Zagury, deseja-se que os professores operacionalizem teorias que praticamente desconhecem ou sobre as quais têm conhecimento rudimentar.

6. Uma tentativa de síntese da questão do professorado

Resumindo o até aqui exposto quanto ao professorado, podemos dizer que o professor não ensina o que sabe, mas o que ele é (Jaurès). O professor tem seus direitos humanos desrespeitados e, muitas vezes, desrespeita os dos alunos.

Mas prefiro dar a palavra a autoras que há mais de vinte anos trabalham com a questão da formação do professor, Helenice CIAMPI e Conceição CABRINI (2003):

“A pedagogia da inclusão está alicerçada na LDB e PCN, documentos que constituem avanços nas discussões teórico-metodológicas, embasados em princípios como a descentralização e flexibilidade do sistema educacional brasileiro. Mas o que se percebe, na prática, é uma política educacional que neutraliza tais avanços, pois não apresenta uma ação efetiva capaz de realizar uma implantação eficaz desta legislação e de suas orientações. O poder público não sinaliza no sentido de alterações básicas estruturais, tais como salário adequado, plano de carreira e formação permanente, que possibilitem criar condições que viabilizem os procedimentos sugeridos.

“A pedagogia da inclusão, apontando para a prática da cidadania, do respeito às diferenças, ironicamente convive com uma acentuada desigualdade, que se reforça assustadoramente. (…)

“Paralelamente, aqueles profissionais que procuram ter ou têm uma prática conseqüente, desiludidos, estão sendo expulsos da escola, por falta de condições dignas de trabalho, pela violência do cotidiano escolar, pela redução da carga horária e aumento do número de alunos em sala de aula. (…)

“Ao longo da história sempre se identificaram bodes expiatórios para justificar os problemas detectados. Hoje, parece-nos que o professor é apontado como o grande responsável pelas mazelas e deficiências do eno ensino. Senso comum alimentado pela mídia, isso desfoca a atenção do problema maior, que é o sistema de ensino como um todo, e que explica a frágil e inconsistente formação do educador “.(…)

Advertem para o caráter conservador da escola e afirmam que as transformações sociais é que obrigam a escola a mudar. “O desejo de mudar a escola para adequá-la a contextos sociais em transformação, democratizando o seu acesso e mantendo a qualidade, é hoje muito frágil, limita-se a discursos que, na maioria das vezes, não se concretiza em ações. O lema da otimização, fazer melhor ou mais com menos gastos, reafirma a colocação anterior.

“Num contexto complexo e carregado de incertezas como o atual, a mobilização por exigir uma escola pública eficaz é inconsistente, pela diluição dos projetos e da ação organizada das forças sociais. Mas a profissionalização dos professores é um imperativo do nosso tempo. Perrenoud apresenta uma argumentação estimulante para o problema colocado. Para ele, o desenvolvimento econômico não assegura a profissionalização do professor, pelo contrário, as sociedades desenvolvidas são hiperescolarizadas, burocratizadas e parte do corpo docente é bastante conservadora.

“Paradoxalmente, os países em desenvolvimento, que precisam formar um grande número de docentes, têm ‘mais oportunidades de romper com as tradições’ e ‘ inscrever de saída a profissionalização de base do ofício do professor’(Perrenoud, 1999).

E continuam, Ciampi e Cabrini : “A profissionalização deverá estar inserida numa prática reflexiva e na participação crítica, fios condutores da formação docente, ancorados no desenvolvimento de competências disciplinares, transversais e profissionais, libertando os profissionais do trabalho rotineiro e levando-os a construir suas próprias iniciativas. Competência aqui entendida como a capacidade de mobilizar conhecimentos em situações complexas, nas quais é  preciso tomar decisões e resolver problemas, com rapidez e segurança.

“Este o dilema atual: recriar soluções mobilizadoras de forças sociais capazes de reverter o processo de exclusão social e escolar. Ao educador cabe um papel fundamental: suscitar o inconformismo dos que teimam em fazer da política um instrumento a serviço da maioria, e reencontrar a solidariedade, semente invisível que alimenta a prática cotidiana.

“Voltamos, entretanto, a velha pergunta: quem educa os educadores ?” (CIAMPI & CABRINI, 2003).

Do exposto, fica claro que o encaminhamento que damos para uma sociedade é o mesmo que daremos para a educação. Uma escola de qualidade é fruto da formação adequada do professor e do salário condizente. Os anos 90 caracterizaram-se como a década da privatização do ensino universitário. Muitas faculdades particulares comercializam o ensino através de cursos curtos. Destas faculdades particulares saem, em boa parte, os professores que lecionarão no ensino fundamental. Pelo menos é uma tendência que se pode perceber no Estado de São Paulo.

Sabemos que a boa formação é essencial para toda e qualquer fase de atuação do docente. Mas o professor do ensino fundamental, que como o próprio nome diz é o fundamento do ensino, deveria receber a melhor e mais exigente formação. Dos programas criados, as verbas acabam sendo diluídas no caminho: nos Ministérios, Secretarias, Faculdades, poucas chegando ao professor do ensino básico.

Este recebe pouco, não tem estímulo, não tem envolvimento, é desconsiderado socialmente, apresenta um índice elevado de faltas ao trabalho em dias letivos. Para substituí-lo foi criada, no estado de São Paulo, a figura do Professor Eventual, um horista que não acompanha o processo, a evolução da classe, e que, por questões estruturais, envolve-se menos ainda. A função da escola pública, neste início do século XXI, em muitas realidades deste país está reduzida a fornecer lanches e uniformes, a tirar a criança da rua (o que é muito significativo), mas  pouco ou nada informa e, muito menos, forma.

O professor que vai aos cursos de educação continuada (PEC) geralmente não tem condições de socializar com os colegas de sua escola.

O mesmo se dá com os Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCN. Cada escola recebe um exemplar. Quem socializa ? Quem vai desenvolver ? Os Parâmetros Curriculares Nacionais são apenas diretrizes, não são obrigatórios e, seja pelas condições de formação ou de trabalho, os professores têm dificuldades em trabalhá-los  no cotidiano da sala de aula.

Uma mudança – e estou considerando que a educação em direitos humanos signifique uma profunda mudança – só se faz coletivamente. É necessário envolver a escola como um todo, professores, coordenadores, funcionários e diretores. É possível, já foi feito (vide PONTUSCHKA, 1997).

É do pensar e do querer que se faz algo novo.

7. Direitos Humanos, tema transversal?

Aamostra do professorado pesquisado por Zagury evidenciou que não “estamos ainda sabendo trabalhar direito os temas transversais do currículo, de forma que o resultado seja de fato socialmente importante – mas queremos fazê-lo ! Apenas, ajudem-nos, dêem-nos as condições e os saberes, suporte, infra-estrutura, condições, enfim – e então nós o faremos, e faremos bem”.

A consideração dos professores quanto à sua motivação e aptidão para trabalhar temas transversais variou conforme o tema. Segundo Zagury, os professores consideraram-se mais aptos do que motivados em relação à Cidadania e à Ética, ao contrário do tema Preservação do Meio Ambiente e sentiram-se inseguros em trabalhar com educação sexual.

No Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (versão no site da Secretaria Especial dos Direitos Humanos em julho de 2006) podemos ler que “a educação em direitos humanos deve ser um dos eixos norteadores da educação básica e permear todo o currículo, não devendo ser reduzida à disciplina ou à área curricular específica”, que sempre foi nossa modesta opinião e do grupo que primeiramente trabalhou a questão no Brasil. Disciplina ou área curricular específica só no terceiro grau.

Mas analisando o Programa Ética e Cidadania, no portal do MEC, confesso que senti um certo desconforto. O programa está dividido em cinco módulos, a saber; 1) Ética; 2) Convivência Democrática; 3) Direitos Humanos; 4) Inclusão Social; e, 5) Informações Bibliográficas.

Como vimos até agora, o professor ensina o que ele é e não o que sabe. Como dizia o nosso saudoso amigo Pèrez Aguirre, Educar para os Direitos Humanos é uma forma de ser no mundo. Donde podemos concluir que direitos humanos é uma ética. Aliás, outro não é o entendimento de Dom Paulo Evaristo Arns, que vê nos direitos humanos a grande possibilidade de uma ética universal, uma vez que supra-religiosa e referente a todos os homens, acima de etnias, raças, nacionalidades, ideologias etc. Na mesma linha, Antonio Candido, Leonardo Boff, frei Betto, Hans Küng e muitos outros.

Milton Santos dizia que democracia é o equilíbrio entre os direitos abstratos (de competência do indivíduo) e os concretos (de competência do Estado). Dalmo Dallari insiste que Direitos Humanos é uma concepção muito mais ampla do que a de Cidadania, a qual é uma forma, um dos direitos da pessoa humana. Insiste também que a maior violência é a exclusão.

Como então não vermos ética, convivência democrática e inclusão social como aspectos dos direitos humanos, como parte integrante da cultura dos direitos humanos ? Na verdade, os direitos humanos, em todas as suas gerações, englobam todas as atividades humanas indispensáveis para a consecução da dignidade humana, os direitos humanos englobam ética, convivência democrática e inclusão social, não devendo, no meu entender, constituir um módulo ao lado destes temas. Os direitos humanos deveriam ser o tema do qual ética, convivência democrática e inclusão social seriam sub-temas.

Ainda no Programa Ética e Cidadania, do MEC, encontramos o seguinte tópico : Direitos Humanos – A maior invenção do século, um título preocupante por poder induzir à desinformação. Primeiro que não me parece, salvo melhor juízo, que os direitos humanos sejam uma invenção. Se são inerentes a todo e qualquer ser humano, são da essência mesma da pessoa humana, essenciais, não constituem uma invenção, como o avião, por exemplo. Constituem, sem dúvida, uma construção conceitual ao longo da história. Muitos acreditam que o texto de Antígona, do século IV A.C., constitui o primeiro texto escrito sobre a questão dos direitos humanos, no qual uma mulher luta pelo direito de dar uma sepultura digna a seu irmão.

Para Fábio Konder COMPARATO (1999), a época entre os séculos VIII e II A.C. constituem o eixo histórico da humanidade, o chamado período axial, em que “as explicações mitológicas anteriores são abandonadas, e o curso posterior da História não constitui senão um longo desdobramento das idéias e princípios expostos durante esse período”. E escreve, mais adiante, que «foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional a englobar a quase-totalidade dos povos da terra proclamasse, na abertura de uma Declaração Universal de Direitos Humanos, que ‘todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos’».

Vê como grandes etapas históricas na afirmação dos direitos humanos, a baixa Idade Média (mais exatamente na passagem do século XII ao XIII) com a edição da Magna Carta, na Inglaterra, em 1215; o século XVII, com a Lei do Habeas Corpus, de 1679, e a Declaração de Direitos (Bill of Rights), em 1689, ambas também na Inglaterra; com o Iluminismo, a Independência Americana e a Revolução Francesa, no século XVIII, cujas declarações de direitos “representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu” e que resultou numa “brutal pauperização das massas proletárias” como decorrência daquela atomização social. A Constituição mexicana de 1917 e a de Weimar, em 1919, afirmou os direitos humanos de caráter econômico e social.

Afirma, Comparato: “Os direitos humanos de proteção do trabalhador, são, portanto, fundamentalmente anticapitalistas, e, por isso mesmo, só puderam prosperar a partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a se compor com os trabalhadores. Não é de admirar, assim, que a transformação radical das condições de produção no final do século XX, tornando cada vez mais dispensável a contribuição da força de trabalho e privilegiando o lucro especulativo, tenha enfraquecido gravemente o respeito a esses direitos pelo mundo afora”.

Vê, ainda, como parte da evolução dos direitos humanos, a sua primeira fase de internacionalização, entre a segunda metade do século XIX e a 2ª guerra mundial, que manifestou-se em três setores: “o direito humanitário, a luta contra a escravidão e a regulação dos direitos do trabalhador assalariado”, através de uma série de convenções e atos internacionais.

Por fim, a “Declaração Universal, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, e a Convenção Internacional sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, aprovada um dia antes também no quadro da ONU, constituem os marcos inaugurais da nova fase histórica, que se encontra em pleno desenvolvimento.

“Ela é assinalada pelo aprofundamento e a definitiva internacionalização dos direitos humanos. Meio séculos após o término da 2ª Guerra Mundial, vinte e uma convenções internacionais, exclusivamente dedicadas à matéria, haviam sido celebradas no âmbito da Organização das Nações Unidas ou das organizações regionais. Entre 1945 e 1998, outras cento e quatorze Convenções foram aprovadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho. Não apenas os direitos individuais, de natureza civil e política, ou os direitos de conteúdo econômico e social foram assentados no plano internacional. Afirmou-se também a existência de novas espécies de direitos humanos: direitos dos povos e direitos da humanidade”.

E, concluindo sua breve panorâmica histórica: “Surge agora à vista o termo final do longo processo de unificação da humanidade. E com isto, abre-se a última grande encruzilhada da evolução histórica: ou a humanidade cederá a pressão conjugada da força militar e do poderio econômico-financeiro, fazendo prevalecer uma coesão puramente técnica entre os diferentes povos e Estados, ou construiremos enfim a civilização da cidadania mundial, com o respeito integral aos direitos humanos, segundo o princípio da solidariedade ética”.

A propósito, este livro de Fábio Comparato, A Afirmação História dos Direitos  Humanos (Saraiva, 1999), bem como o recém-lançado Ética (Cia das Letras, 2006), são títulos indispensáveis em qualquer bibliografia de educação em direitos humanos. O mesmo vale para um dos principais títulos na área que, salvo engano, não encontrei relacionado; trata-se do livro de MOSCA, Juan José e AGUIRRE, Luiz Pérez, Direitos Humanos – Pautas para uma educação libertadora (Vozes, 1990). Este livro, que se mantém absolutamente atual, foi adquirido para cada escola municipal quando Paulo Freire era secretário da educação na cidade de São Paulo e, se esgotado, ainda assim deve constar em qualquer bibliografia, até para forçar sua reedição.

Comparato falou acima em solidariedade ética. Na verdade, nomeia duas solidariedades, a técnica e a ética. “A solidariedade técnica traduz-se pela padronização de costumes e modos de vida, pela homogeneização universal das formas de trabalho, de produção e troca de bens, pela globalização dos meios de transporte e de comunicação. Paralelamente, a solidariedade ética, fundada sobre o respeito aos direitos humanos, estabelece as bases para a construção de uma cidadania mundial, em que já não há relações de dominação, individual ou coletiva”.

Observa que “a solidariedade humana atua em três dimensões: dentro de cada grupo social; no relacionamento externo entre grupos, povos e nações; bem como entre as sucessivas gerações na História. O seu sentido ético foi bem marcado por Montesquieu, já na primeira metade do século XVIII.

“Se eu soubesse de algo que fosse útil a mim, mas prejudicial à minha família, eu o rejeitaria do meu espírito. Se soubesse algo de útil à minha família, mas não à minha pátria, procuraria esquecê-lo. Se soubesse de algo útil à minha pátria, mas prejudicial à Europa, ou então útil à Europa, mas prejudicial ao Gênero humano, consideraria isto como um crime”.

Mote fundamental de nosso trabalho em educação em direitos humanos é e deve ser o seguinte pensamento sobre a solidariedade, este do século XX: “ a minha liberdade começa onde começa a do outro; a minha liberdade termina onde termina a do outro” (CASTORIADIS, 1982).

8. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH.

Não tenho palavras para exprimir minha satisfação com o PNEDH. Estão de parabéns todos os envolvidos na sua elaboração e idealização. Desejo o maior êxito à Secretaria Especial de Direitos Humanos -SEDH e o Ministério da Educação -MEC que passam a formular e a implementar planos e programas integrados, garantidas as suas especificidades de atuação.

Como se trata de uma primeira versão a ser debatida, sinto-me a vontade para fazê-lo. Aliás é o que venho fazendo desde as primeiras linhas deste texto porque desejo o maior sucesso para este Plano e senti-me no dever de mostrar as dificuldades reais para a sua implantação. Daí a minha ênfase em tópicos como a realidade do professor e de sua formação; sua visão dos temas transversais e suas resistências, inclusive quanto a outros aspectos da prática escolar. A minha preocupação de que não seja apenas um Plano a mais, um ônus a mais para o docente, uma imposição a mais, uma frustração a mais, um mero discurso.

Foi com muita emoção a minha leitura de que, neste governo, “é prioridade e eixo fundamental das políticas públicas a educação em direitos humanos”. Para mim e para alguns companheiros de caminhada, a educação em direitos humanos é isso mesmo, é prioridade, é eixo, é ponto de partida e de chegada, é o corpus, o processo, o todo. Deve estar a serviço do todo e ter o todo a seu serviço. Donde o meu inconformismo com toda e qualquer tentativa, ainda que com ótimos propósitos ou ainda que inconsciente, de segmentá-la, limitá-la. Educação, para mim, deveria ser sinônimo de educação em direitos humanos. Cidadania, para mim, é sinônimo de participação social através da vigência integral dos direitos humanos.

Em seguida li que educar em direitos humanos “é fomentar processos de educação formal e não-formal, de modo a contribuir para a construção da cidadania, o conhecimento dos direitos fundamentais, o respeito à pluralidade e à diversidade sexual, étnica, racial, cultural, de gênero e de crenças religiosas”. Não apenas o conhecimento dos direitos fundamentais, mas sua construção e vivência, acrescentaria eu. E, no meu entender, falta o primeiro objetivo da educação em direitos humanos, a humanização.

Humanização, como a conceituou Antonio CANDIDO (1995), “ é o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor”.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos tem como seus principais objetivos o combate à discriminação e a promoção da igualdade. Há que se pensar mais a igualdade. Não apenas a igualdade perante a lei ou a igualdade de oportunidades. Únicos e irrepetíveis, somos diferentes uns dos outros, mas nunca desiguais, somos iguais em dignidade e direitos. Mas há que se trabalhar a igualdade ontológica, a resultante de sermos, todos, pessoas humanas, sujeitos e objetos dos mesmos direitos humanos, “acusadores com todos, somos, ao mesmo tempo, sós e acusados por todos. Já que a relação social é ambígua e comporta sempre uma parte do fracasso, já que somos simultaneamente a multidão chinesa que ri e o chinês aterrorizado que arrastam para o suplício, já que cada pensamento divide tanto quanto une, já que toda palavra aproxima pelo que expressa e isola pelo que cala, já que um abismo intransponível separa a certeza objetiva que temos de nós mesmos e a verdade objetiva que somos para os outros, já que não cessamos de julgar-nos culpados ao passo que nos sentimos inocentes…” (SARTRE, 2002).

A igualdade se constrói, inclusive, através de metodologias como a inter ou a transdisciplinaridade e pela dialogicidade, de tal forma que possamos dar razão a Pèrez Aguirre quando escreveu, fazendo eco a Paulo Freire, que no “que diz respeito ao ensino de direitos humanos, estamos persuadidos de que não há, de um lado, ‘experts’ e, de outro, ignorantes. Todos somos especialistas do humano, ou indigentes, e a tarefa de humanizar deve brotar de nossas iniciativas educativas. Neste campo, podemos afirmar com segurança, ninguém educa ninguém. Aqui, os seres humanos educam-se em comunhão ! Ninguém tem o monopólio de elementos humanizantes, todos temos algo que dar e algo que receber”.(PÈREZ AGUIRRE, 1990).

Ainda que entendendo a razão da ênfase, não concordo quando o PNEDH afirma que a educação em direitos humanos é fundamental para as categorias profissionais ligadas à segurança e à justiça. Sei que é porque o Plano, e nós com ele, queremos avançar no sentido de que “as policias e os agentes da área da justiça atuem essencialmente como promotores e protetores dos direitos humanos e da cidadania”. Mas a educação em direitos humanos deve ser fundamental para qualquer categoria profissional.

Da mesma forma, quando propõe introduzir a perspectiva da educação em direitos humanos como tema transversal nos cursos de licenciatura de todas as áreas do conhecimento. E por que não nos cursos de bacharelado de todas as áreas? Só para professores? E a educação não-formal? E a educação em direitos humanos como prioridade e eixo fundamental das políticas públicas?

Outro problema. O PNEDH apresenta a Universidade como produtora do saber. Mantém o fosso entre professores universitários e os demais, numa abordagem tradicional e hierarquizada. Há que dar voz aos professores de educação infantil, do curso fundamental, do ensino médio. Eles não são meros reprodutores do saber acadêmico, também são produtores de saberes, especialmente no que se refere aos direitos humanos. Há muito a própria universidade tem um olhar e trabalhos neste sentido.

Ana Maria MONTEIRO e Helenice CIAMPI (2006) chamam a atenção para a especificidade do saber escolar. A partir de pesquisas de campo, em escolas de ensino básico, esclarecem: “O diálogo com o conhecimento científico é absolutamente fundamental. Mas é preciso compreender melhor como se dá a construção do saber escolar, que envolve a interlocução com o conhecimento científico e também com outros saberes que circulam no contexto cultural de referência”.

Referendando autores no campo do currículo e da historia das disciplinas escolares complementam que a escola “deixa de ser considerada apenas local de instrução e transmissão de saberes para ser compreendida como espaço educacional, configurado e configurador de uma cultura escolar na qual se confrontam diferentes forças e interesses sócias, econômicos, políticos, culturais”. E, muito importante para a educação de direitos humanos, “o saber escolar, em sua constituição, passa por um processo de axiologização, ou seja, é veículo de transmissão e formação de valores entre os estudantes.

A dimensão educativa, portanto, é configuradora deste saber, não sob a forma de proselitismo, mas através da seleção e didatização realizada: saberes negados ou afirmados; formas democráticas ou autoritárias de ensinar; métodos baseados na repetição e memorização ou baseados no desenvolvimento do raciocínio e pensamento críticos”.

E, para encerrar, acrescentam: “Tardif (1999) aprofunda a análise das características do saber docente, avançando na valorização do saber da experiência. Segundo o autor, os saberes profissionais são saberes de ação, saberes do trabalho e no trabalho, o que os distingue dos saberes universitários (científicos ?). São temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados, carregando com eles as marcas do seu objeto, que é o ser humano (os alunos). Neste sentido, a prática profissional não é um local de aplicação dos saberes universitários mas, sim, de ‘filtração’, onde eles são transformados em função das exigências do trabalho. Essas características permitem superar a visão do professor como um ‘idiota cognitivo’, ou ‘dependente’ e/ou ‘determinado’ por estruturas sociais, pelo inconsciente ou cultura dominante, contribuindo para avançarmos na conquista da autonomia profissional”.

9. À guisa de conclusão

Do exposto, espero ter ficado claro que considero a educação em direitos humanos uma prática integral, radical e permanente. Encerro este tentativa de reflexão, que se pretendeu colaboradora para uma educação em direitos humanos de fato, com uma síntese de palavras de PÈREZ AGUIRRE (1991).

Falar de direitos humanos é, antes de mais nada, uma maneira de ser perante o acinte, o mais devastador e humilhante, que é a situação de pobreza desumana em que vivem milhões na América Latina.

A liberdade é mais importante para os que têm pão. Sem pão, a liberdade de consciência, de palavra, de associação, religião e outras pode revelar-se existencialmente insignificante. Tudo deve estar a serviço do ser humano. A única resposta possível à situação dos empobrecidos é o compromisso pelos seus direitos. A luta por modificações sociais. Uma ação coletiva transformadora que entregue a história nas mãos dos despossuídos. Precisamos assumir de que lado estamos.

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* Periódico electrónico de la Red de Derechos Humanos de Rio Grande do Norte-Nordeste de Brasil.

** Mestre em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), membro da Comissão Justiça de e Paz de São Paulo, jornalista e escritor, autor, entre outras obras, de Justiça e Paz – Memórias da Comissão de São Paulo (Loyola, 2005) e co-autor de Ousadia no diálogo – Interdisciplinaridade na escola pública (Loyola,1993 e 1997).

10. Bibliografia

CANDIDO, Antonio. Vários Escritos . SP: Duas Cidades, 1995.

CASTORIADIS, Cornelius.  A instituição imaginária da sociedade. RJ: Paz e Terra, 1982.

CIAMPI, Helenice. A História Pensada e Ensinada: da geração das certezas à geração das incertezas. SP: EDUC, 2000.

CIAMPI, Helenice e CABRINI, Conceição. “Ensino de história: histórias e vivências.” In: CERRI, Luiz Fernando (org). O Ensino de História e a Ditadura Militar. Curitiba, Paraná: Aos Quatro Ventos, 2003.

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação História dos Direitos Humanos. SP: Saraiva, 1999.

FESTER, Antonio Carlos Ribeiro. Justiça e Paz – Memórias da Comissão de São Paulo. SP: Loyola, 2005.

MONTEIRO, Ana Maria e CIAMPI, Helenice. “ Balanço crítico das pesquisas, tendências e demandas de investigação sobre os saberes escolares e saberes docentes no ensino de História”. Texto no prelo, apresentado no Seminário Temático – Saberes escolares e saberes docentes – no VII Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História (ENPE), realizado na UFMG, em Belo Horizonte, no mês de fevereiro de 2006.

MOSCA, Juan José e PÈREZ AGUIRRE, Luis. Direitos Humanos – pautas para uma educação libertadora. Petrópolis, RJ: Vozes, 1990.

NÓVOA, António (org). Profissão Professor. Textos de António Nóvoa ( O Passado e o Presente dos Professores), J. Gimeno Sacristán (Consciência e Acção sobre a Prática como Libertação Profissional dos Professores), entre outros. Porto, Portugal: Porto Editora Lda, 1999.

PÈREZ AGUIRRE, Luis. Si digo derechos humanos. Montevideo, Uruguay: Servicio de Paz y Justicia, 1991.

PERISSÉ, Gabriel. Diversos artigos sobre o professor, em seu site ou no jornal Correio da Cidadania, no ano de 2006.

PONTUSCHKA, Nídia Nacib (org). Ousadia no Diálogo – Interdisciplinaridade na escola pública. 2ª ed. SP: Loyola, 1997.

SARTRE, Jean Paul. Saint Genet – Ator e Mártir. Tradução de Lucy Magalhães. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

ZAGURY, Tânia. O Professor Refém – Para pais e professores entenderem por que fracassa a educação no Brasil. RJ: Record, 2006.

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