“Todos podem progredir”: liberalismo a justificação do colonialismo

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Francisca Eugênia dos Santos*

Na tradição cultural dos países que compõem a América Latina encontramos determinados traços que a muito, lá pelos anos 70 Leopoldo Zea justificava afirmando: “A história é uma descoberta cristã”. Zea compreende que a história encontra sua máxima expressão no mundo moderno. Mais ainda, o mundo moderno justificou a concepção da história com a idéia de “progresso”. Uma idéia que parece abranger todos os homens, todas as raças, e todas as classes. Todos podem progredir.

 

Logicamente, Zea optava por um diálogo, por uma comunicação universal, o reconhecimento mútuo, com base na igualdade entre as diferentes culturas. “Todos podem progredir”, este grande lema da história moderna, parece que só ecoou nos chamados países europeus. Só eles progrediram.

Quando se trata do nosso continente, nossa América Latina, quando repensamos a idéia de ser latino-americanos, percebemos como tantos filosofos (se assim me permitem chamar), estes homens que nascidos no bojo de uma cultura dominada e nem por isso resistente, desde de seus primórdios tentam encontrar soluções aos problemas relativos ao homem, a sociedade e as culturas. Estes homens que pensando desde o centro do seu mundo, da sua origem questionaram o ser latino-americano. A consciência de ser.

Existirá esta possibilidade? A possibilidade de filosofar do homem latino-americano? Está polêmica estabelecida também nos anos 70 por Horácio Ceruti Gulderg, na sua busca pela originalidade, da autenticidade e, da novidade do nosso continente, colocava no centro da discussão nossa particularidade discursiva, ou filosófica.

Grandes homens estes que deixaram uma marca registrada na história do pensamento latino-americano, e dedicaram páginas e páginas a questionar a razão de ser do nosso continente. Não me atrevo a nomear alguns, por que seria injusto com outros. Principalmente aqueles que foram capazes de tomar as armas para combater esta dominação européia, outros optaram pelas letras como “balas de canhão”, e admiravelmente constataram que um dia poderíamos dizer: somos latino-americanos.

Mas, hoje quando o neoliberalismo, bastante evoluido, toma conta de todos os espaços através de seu fiel instrumento, a globalização percebemos que nada mais é, que a resposta moderna ao colonialismo. Nosso colonialismo acadêmico, nosso colonialismo econômico, nossa perversidade global, nosso desenvolvimento liberal. Deveria preocupar ao homem moderno, e a história moderna esta estranha maneira de progredir. Novos colonialismos linguísticos, novos colonialismos acadêmico, novos colonialimos culturais. Novas formas de colonizar. E isso é globalizar? Conceitos linguísticos. A nova lexicografia.

Para os entendidos do assunto da globalizacão, e que já tenham tido a oportunidade de “parar” e pensar na nossa globalização, existe alguma diferença nesta forma de dominação, que a outra usada em outras etapas históricas do nosso continente?

Etapas de expropriação, genocídio, trabalho escravo, violência, guerras, corrupção….finalmente há alguma diferença entre o que se faz hoje com o homens do povo, e o que se fazia antes?

Certamente hoje o lema é: ”Todos podem progredir”. Mas pensemos como seres que vivemos neste planeta, também os do mundo virtual. Eu por exemplo, moro no Chile (a realidade empírica para os cientificos) , a energia elétrica é de uma empresa espanhola, a água é de uma empresa espanhola, o telefone é de uma empresa espanhola… paramos por aqui. Mas eles não foram embora em 1810. Eu sei que não foram, pois os seus descendentes, e eles ficaram para a criação do projeto de nação.

Esta é a data da independência chilena, importante, assim como para outros países latino-americanos, como marco de soberania, construção da nossa identidade nacional. E ficaram, e voltaram para ajudar na nossa construção nacional.

Submetidos, desmoralizados, desempregados, famintos, angustiados, somos diferentes dos indígenas, dos pobres que viveram na época colonial? Ou os projetos de nação consideraram o povo? O povo nunca esteve presente em nenhum projeto de nação do nosso continente.

Posso sim, reinvidicar a Francisco Bilbao, Santiago Arcos, Simón Bolivar, Juan Carlos Mariategui, e tantos outros que paralelamente construiram seus projetos alternativos, com traços despanholizadores, descolonizadores e ajudaram na construção, isso sim, do nosso imaginário socio-cultural.

Por que o imaginário não se controla desde as instituições, desde o Estado. O imaginário são estas imagens condensadas, transformadoras, produtoras de sonhos. O sonho de ser civilizado, por exemplo. O sonho que todos podemos compartilhar o bem através do liberalismo, do neoliberalismo: todos podem progredir. A busca da civilização perdida. Onde?

Hoje somos mais civilizados. O que é ser civilizados? Civilizar é construir cidades, hospitais, centros de educação, empregos,tecnologia e dignidade, mas para quem? Sempre tive a impressão que civilizar era sinônimo de dignidade. Para todos.

Que globalizar era sinônimo de dignidade. Para todos. Então me lembro do mestre, Milton Santos (2001) que dizia: Globalizar é sinônimo de perversidade. Pensemos em uma outra globalização, como sinônimo de dignidade humana. Este é o conceito de civilização que nos ensinaram os europeus?

Não. Nem se quer nos ensinaram a respeitar o nosso passado. Mas como dizia Leopoldo Zea, “não nos ensinaram a considerar nosso passado, como os europeus. O passado só pode ser negado de forma tal, quando é conservado. Enquanto o europeu entende o seu passado, os latino-americanos projetam o futuro”. Que irônia!

Mas por que não podemos pensar que o processo de colonização criado em nosso continente, e incluo (para o que não sabem), o México e o Brasil poderia ter dado frutos modernos, e crescido como corresponde, pensando numa construção baseada em nossas raízes históricas (passado). Projetamos o futuro, por que é algo utópico. Não existe.

Nós ensinaram a projetar o futuro por que não temos nenhuma chance com o presente. Por que o europeu, e me desculpem as agressões (não é nada pessoal), sim aprendeu que o passado é util. Esta utilidade que projeta raízes, que assimila valores,que cria memória, que cria símbolos próprio, e espírito.

E pensando na possibilidade de resgatar a memória do nosso continente tantas vezes pronunciadas na nossa música, nossa miscegenação cultural, nossas raízes latinas (Roma), nosso exotismo (Florestas, rios etc…), que muitas vezes invadem as praças das cidades mais importantes européias, como forma de “Integração e Diversidade”. Que coisa linda! Shows, cinemas, atividades várias e o previlégio grande dos artistas latino-americanos transborda em um mar de euros e lágrimas. O sonho realizado.

Mas adorar a nossa latinidade, já era tarefa de Américo Vespúcio que como publicista da nossa imagem não demorou muito em classificar-nos como “exóticos”, “riquezas naturais”, “o índio”, “o desejo”. Do ponto de vista semântico, aponta a qualidade das coisas aqui encontradas. Coisas procuradas e desejadas. Coisas diferentes. Muito diferente do velho mundo. Não era um mundo de perspectiva, de luz, de pensamento. Era um mundo escuro, poético para ser mais elegante, adorado antes, e agora.

Mas e o nosso liberalismo: “Todos podem progredir”. Nosso liberalismo também se caracteriza pela diferença. Tudo é diferente quando se trata de América Latina. América Latina esta figura historicamente construida basada na fertilidade do solo, na desigualdade inocente, e nas flores mulatas que vem a enfeitar este universo através da sua beleza natural. O paraiso. Este paraiso muito diferente do velho mundo, apesar que depois de tantas cópias do velho mundo imposta como : servidão, a produção, a violência, a espiríto já estamos quase prontos para dizer que somos: a feliz cópia do Edén. Uma má cópia.

“Todos podem progredir”. É correto o nosso sonho europeu do século XIX, de haver transportado o liberalismo francês, a moda européia as escolas clássicas, os “segundo” quem escreveu e pesquisou e criou certas teorias , mas se todos progrediram, por que não progredimos.

Progredimos desde de Zea, desde de Ceruti Guldberg, desde valiosos filósofos (será que é possível filosofar em português?), já dizia o grande Caetano Veloso. Mas de filosofias, de pensamento, de justificações, e de soluções, seguimos no tempo: todos podem progredir.

Como podemos progredir, construir um pensamento, uma identidade se estamos atrelados por um cordão umbilical luso-espanhol que simbolicamente justifica todas as nossas mazelas sócio-históricas. Nosso caráter católico, este positivismo comteano e nosso “civilizar” em nome do progresso.

Como podemos progredir sem romper a condição de subdesenvolvimento para produzir pensamento?
Como podemos progredir sem romper esta “invenção eurocêntrica”, imposta?
Como podemos progredir sem compreender nosso passado?

Respostas ainda não as tenho, mas queria compartilhar. Vou seguir estudando, escrevendo minhas teses, e apaixonadamente como corresponde a um latino-americano, não é este nosso espírito?

Mas se nossas nações foram sedimentadas nos mitos, nos imaginários das elites européias de tantos períodos, e construimos nossos discursos baseados na ideologia dos “grandes” da nossa elite, só podemos conformamos que um dia podemos progredir.

Poderemos reinventar-nos através da essência do nosso pensamento, da nossa luta diária, dos nossos sonhos de ser livre. Ser livre baseado em nossas temáticas, e em nossa idéia de significado. Ser livre através da nossa língua, quem sabe inventando um novo, um re-novo liberalismo. Mas nos reinventando, como fazemos todos os dias nas favelas, nos centros urbanos, nas “villas misérias”, nos “mesones”, nas “poblaciones callampas”, enfim en todos os cantinhos desse território vasto, e rico. Empobrecido pelos civilizados do liberalismo.

* Socióloga.

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