Chega de massacrar o povo Guarani!

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Junior Bittencourt*

A criação da reserva indígena pelo Estado Brasileiro, condicionando os guaranis a viverem confinados num território inventado, cercado de um lado pela cidade moderna de Dourados e de outra pela lavoura latifundiária tecnificada, colocou o povo indígena a viver num pequeno espaço, sendo sua morada e simultaneamente sua prisão. Dentro deste território prisão, cercado por muralhas invisíveis que sufoca-os, o povo guarani tenta resistir, buscando meios de se libertar do confinamento e encontrar a liberdade de criar e recriar seus próprio território de forma a deixar de ser submisso e ignorado pelo território moderno civilizado.

O território prisão condiciona os índios a sobreviver como se estivessem trancafiados numa cela de penitenciaria, onde são desterritorializados de seus territórios originais, recebendo apenas água e comida racionada para que continuem respirando. Nesta relação prisional alguns se suicidam, outros enlouquecem, alguns se tornam ainda mais violentos, assimilando bem os horrores da prisão, mas tem aqueles que lutam pela liberdade apelando para garantir o seu direito a fugir que a constituição lhe garante se conseguir, sem correr o risco de aumento da pena. Sendo assim passam anos cavando túneis a unha feito animais que se refugiam em tocas buscando garantir sua existencial reprodução, outros estão anos à serrar as grades que os enjaulam condenando-os a irracionalidade animalesca.

Assim estão os guaranis, cercados por uma muralha invisível que os aprisionam e também lhes convidam a resistir para existir, dentro da cela que é a reserva, o conflito é permanente, e a criação de alternativas transcorrem o lugar do cotidiano onde alguns reafirmam sua existência por meio do suicídio (Bauman, 2005), outros enlouquecem embebedados de angústia debruçados sobre a muralha invisível que o separa de sua existência original, outros tentam fazer valer os seus direitos de continuar existindo assegurado pela constituição federal do Estado Brasileiro, buscam fugir para outro lugar cavando buracos para enterrar seus mortos e também para continuar semeando sua cultura mesmo na condição extraterritorial original, serra-se as grades da prisão para não aceitar ser desterritorializado (Haesbert, 2004).

Atravessa a fronteira que os condenou, e dentro do território moderno ele ocupa a Fundação Nacional do Índio, o aparelho do Estado Moderno Brasileiro que organizou a prisão do povo indígena, e então reclama a liberdade de não apenas respirar, mas o reconhecimento de seu território e da terra como parte inegociável, inalienável da vida (Brand,1993).

Uma das contradições do Estado de Direito é a garantia de tratamento igual a todos bem como seus direitos, sendo a terra antes de mais nada, tendo por obrigação garantir primeiro o interesse social coletivo para depois satisfazer o interesse individual privado, e que o racismo é crime, defrontando com o pó da fronteira que se levanta como uma nuvem de ilegalidade sócio-cultural, nas escolas da cidade os jovens indígenas tem se cansado não apenas pela longa distância percorrida, mas sim das atitudes racistas reacionárias de colegas e professores não-indigenas, ocorrendo em alguns casos profunda tristezas e revoltas levando os jovens índios tirarem a própria vida por meio dos cotidianos suicídios sobre a fronteira.

O número de suicídios entre os Guaranis Kaiwá em Mato Grosso do Sul é entorno de 50 a 60 por ano de acordo com o (Cimi, 2007), entre uma população de 40 mil índios.

Com o vigoramento da Constituição de 1988 é criado mecanismos de legitimação aos territórios indígenas e quilombolas, garantindo que toda terra remanescente de terra indígena ou quilombola deve ter a partir de então seus títulos de posse automaticamente anulados. Mas tudo isso geram conflitos e se levantam fortes oposições entre os operadores do direito e a classe política que sempre estiveram a favor de grupos econômicos específicos. Desta feita a ideologia dominante, tenta plantar no ideário nacional que a luta por demarcação de terras vai barrar o progresso e a produção de alimentos, e afirma que são povos perigosos, e um grande problema para a sociedade.

Estes discursos visam debater e logo abrirem suspeitas sobre demarcações de territórios. Suspeitas apresentadas como ameaças ao desenvolvimento. Isso cria uma crise institucional, e graves suspeitas sobre as identidades culturais nacionais. Para o mau ou para o bem do povo “civilizado” o território indígena continua existindo, perderam o controle de suas terras, mas sua cultura permanece acesa sobre o pó da fronteira na luta por seu território. Que a verdadeira justiça seja feita em breve.

*Geógrafo e acadêmico de Economia da UFGD.

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