Lúcio Flávio Pinto*
La novena versión del Foro Social Mundial que tuvo lugar en Belem, no discutió ninguno de los problemas que la afectan y donde se alza la mayor favela del país, con 140.000 habitantes, violenta puerta de entrada a la Amazonia.
Señala el autor que las medidas de seguridad mantuvieron virtualmente recluidos a los miles de participantes del encuentro, que así pudieron intercambiar ideas y propuestas sobre la construcción de un mundo mejor y de una Amazonia autosustentable. Los profetas, gurúes, discípulos y demás asistentes de buena voluntad regresaron a sus hogares, llevándose consigo de vuelta los pensamientos e imágenes que trajeron a Belem. Y en Belem quedó la realidad.
Texto en portugués.
Foi uma façanha sediar em Belém a nona versão do Fórum Social Mundial, trazendo a solidariedade do mundo para a Amazônia. O que ficou realmente dessa iniciativa? É a pergunta que fica. Uma das poucas coisas que ficam.
Belém é uma das capitais com os mais baixos índices per capita de verde do Brasil, embora fique na porta de entrada da Amazônia, reduto de um terço das florestas tropicais do planeta. As mais extensas áreas verdes remanescentes da cidade estão nos campi das duas universidades federais, a Ufra e a UFPA, que abrigaram, durante uma semana, a nona edição do Fórum Social Mundial, encerrada no dia 1º. Esses bosques estão cercados por dois dos bairros mais populosos e perigosos da cidade, o Guamá e a Terra Firme, com 10% dos 1,4 milhão de habitantes de Belém e uns 15% da sua criminalidade.
O Guamá cresceu recebendo migrantes do interior, expulsos de suas terras nativas pela chegada dos novos colonizadores. Eles trouxeram consigo fazendas de gado, serrarias, plantios agrícolas e mineração, principais causadores da maior destruição de floresta da história da humanidade (o equivalente a três vezes a extensão de São Paulo em apenas quatro décadas).
A Terra Firme inchou com miseráveis pensões que ali foram instaladas para receber trabalhadores braçais, os peões, arrebanhados por “gatos”, intermediários da mão-de-obra usada para desmatar as áreas onde antes moravam os caboclos, urbanizados pelo deslocamento à força de suas roças.
Na Terra Firme foram realizadas reuniões preparatórias para o Fórum e até uma entidade foi organizada entre os moradores para dar consistência à sua participação. Mas o propósito foi esvaziado pela ausência do pessoal de apoio de ONGs e instituições, que estimularam a iniciativa. E a participação ficou impossibilitada pela taxa de inscrição, de 30 reais, que ninguém podia pagar.
O Fórum não discutiu nenhum dos problemas das enormes e caóticas periferias de Belém, que tem aquela que era considerada a maior favela horizontal do país, o Paar (com 140 mil habitantes), e que aparece como a segunda capital –proporcionalmente à população– mais violenta do Brasil, abaixo apenas de Recife. Nem os problemas dos dois bairros vizinhos, que, por ironia, durante a semana do Fórum, motivaram uma polêmica pela internet a partir do comentário desdenhoso de uma colunista social de domingo do jornal do grupo de comunicação que domina a mídia local entre os mais abonados membros da sociedade paraense, O Liberal.
O encontro temático internacional, realizado em Belém justamente para dar ênfase à “questão amazônica”, a que mais polêmica provoca na agenda ambiental de hoje, não conseguiu cruzar o cinturão policial que o isolava dos dois temidos bairros, em cujos limites estão alguns dos pontos negros da cidade. Restou então aos bairros ir às montanhas de gente estranha e de acontecimentos inusitados. Não para participar das centenas de eventos programados para o Fórum nem para usufruir a relação com os visitantes categorizados, mas para lhes vender alguma coisa e faturar uma receita extra.
Com uma forte razão: Belém é das capitais brasileiras com a maior economia informal e um dos mais elevados índices de desemprego. Boa parte dos seus moradores vive de biscates ou trabalha sem relação de emprego estável. Um contingente cada vez mais numeroso já transpôs o portal da informalidade para a criminalidade, aberta ou disfarçada, com poucas possibilidades de retorno.
Nos dias que antecederam a inauguração oficial do FSM, os moradores atravessaram como puderam o muro que isola os campi das duas universidades com suas mesas, cadeiras, pratos, colheres e comidas para oferecer ao público, desprovido desses serviços em condições satisfatórias ou na quantidade necessária. Depois, com o aumento da vigilância nos muros e nas poucas áreas de acesso (o debate era livre, mas o ingresso era super-controlado), os interessados começaram a roubar, principalmente os dois mil voluntários que circulavam entre os campi, o da Universidade Federal do Pará e o da Universidade Federal Rural da Amazônia.
Primeiro roubavam os crachás, que, em seguida, adulteravam, para poder vencer a fiscalização e entrar com suas comidas e guloseimas. Passaram também a tomar as camisas, outro elemento de controle na entrada (algumas foram vendidas pelos próprios voluntários, sem dinheiro até para o ônibus). E assim a periferia da metrópole da Amazônia tirou vantagens do acontecimento do ano, que teria reunido, segundo seus organizadores, 130 mil pessoas, número que as sobras de milhares de camisas, muitas nem tiradas da caixa, punham em questão para quem pudesse ver por dentro o que acontecia.
Graças à conjugação da necessidade de alimentação das mais de três mil pessoas que acamparam nos campi e dos milhares de outras que circulavam pelos locais durante o dia, houve uma ligação entre a bolha de solidariedade e de confiança em um mundo melhor, e aqueles que deviam ser a materialização física dessas utopias, os excluídos da globalização em carne e osso.
O Guamá e a Terra Firme foram duas das mais angustiantes preocupações do governo, o sujeito oculto na oração de independência do FSM (como a contrafação à tertúlia dos ricos em Davos), e dos organizadores.
O governo federal, do PT, deslocou 300 homens da Força Nacional e destinou R$ 50 milhões (dos R$ 160 milhões do orçamento global) ao item específico da segurança. O governo estadual, também sob o controle do PT, concentrou sete mil homens das duas polícias (a militar e a civil) em Belém e montou um cordão sanitário em torno dos dois bairros limítrofes para proteger os convivas do Fórum da rotina de 200 ocorrências criminais diárias (60% delas na forma de crimes contra o patrimônio, mais de dois terços deles com o uso da violência).
Milhares de moradores foram parados e revistados todos os dias pelas patrulhas móveis, os bares tiveram que fechar às 10 horas da noite e um clima de confinamento foi imposto. O cotidiano experimentou uma metamorfose súbita, ainda que efêmera.
Graças a essas providências, a violência não se imiscuiu no ambiente do Fórum durante a semana da sua realização. Isolados dessa maneira, os participantes do monumental encontro puderam desenvolver sem contratempos suas idéias e propostas sobre a construção de um mundo melhor e uma Amazônia auto-sustentável.
A realidade incômoda, que havia antes, poderá voltar a se instalar agora que profetas, gurus, discípulos e todas as pessoas de boa vontade voltaram para suas casas. Carregando consigo as mesmas idéias e imagens que trouxeram para Belém.
Não há dúvida que o FSM trouxe a Belém gente de alta capacidade intelectual, com um currículo poderoso, disposta a aplicar suas qualidades para a construção de um futuro melhor para o planeta e, particularmente, para a Amazônia. Poucos, porém, vieram para ouvir o que a própria região tem a dizer. Muitos têm dedicado seu tempo a estudar a Amazônia, mantendo uma atitude constante de alerta em relação ao que nela acontece a partir dos seus terminais eletrônicos, conectados a satélites, acessando bancos de dados, cruzando informações, montando teias de argumentos e produzindo conclusões sobre o que ocorre no castigado solo amazônico.
Parece, contudo, que esse mundo digital é tão fascinante que dispensa seus freqüentadores de ir lá fora e ver os acontecimentos reais. Os personagens vivos dessa história que dêem conta dos seus dramas e problemas sem as tonalidades desse novo idealismo tecnológico.
O Fórum passou como a banda pela janela da moça que Chico Buarque de Holanda colocou na sua música de maior sucesso, quatro décadas atrás. Num dos muitos versos expressivos, ele observou: “A minha gente sofrida/ despediu-se da dor/ pra ver a banda passar/ cantando coisas de amor”.
O amor se foi, o sofrimento ficou. Assim é a vida, que invade e contamina o mundo virtual, tirando-lhe a virtude, como tem que ser.
* Socióilogo, periodista, escritor y abogado por necesidad.
Addenda
Lucio Flavio Pinto vive y trabaja en Belem. Hace 30 años –poniendo en riesgo su vida– combate la destrucción de la selva amazónica. Sus batallas le han significado cesantía: en el periodismo, en la universidad, en la televisión; escribe, hace más de 20 años, su Diario Personal, revista quincenal, que es su puesto, su trinchera en el combate ecológico, político y humano que libra.
Lo persiguen oscuros intereses y poderes, se ha intentado asesinarlo muchas veces –probablemente la solidaridad internacional impidió que su asesinato se concretara, pero el costo fue elevado: debió separarse de su cónyuge e hija, enviarlas a otro estado, para proteger sus vidas–. Entonces el poder cambió de táctica.
Los sicarios dejan de apuntarle, ceden su lugar a los tribunales y es sometido a un proceso tras otro. Ningún abogado acepta el compromiso de defenderlo en las más de 30 causas incoadas en su contra. El sociólogo Pinto, entonces, debe volver a la universidad; una vez egresado de la carrera de Derecho se defiende solo.
Luego del asesinato del dirigente campesino amazónico Chico Mendes, en diciembre de 1988, debe buscar refugio en la clandestinidad. Pero no calla. Y su lucha, sintetizada en la frase La Amazonia brasileña es una mafiosa Sicilia verde comienza a tener eco en la prensa internacional y organizaciones sociales del mundo. En Italia recibió el Premio Colomba d’Oro della Pace
Nada lo desvía de su responsabilidad en la denuncia por la depredación programada de la foresta que es, todavía, el pulmón del plantea.
El Diario Personal de Lucio Flavio Pinto se encuentra aquí
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