Brasil. – LATITUDES DO SILÊNCIO / LATITUDES DEL SILENCIO

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Aparecida en la revista Piel de Leopardo, integrada a este portal.

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“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores, matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

Eduardo Alves da Costa**

A violência ganha as ruas e invade os lares. Furtos à luz do dia, assaltos à mão armada. Veículos alvejados, ônibus incendiados. Mulheres estupradas, crianças arrastadas, homens seqüestrados. Como não há segurança pública, buscamos o isolamento. Condomínios verticais e horizontais, cercas elétricas, ambientes filmados, guaritas blindadas, muros cada vez mais altos, cachorros cada vez menos dóceis.

Enclausurados, acompanhamos os eventos pela TV. Em silêncio.

A economia mundial passa por um de seus melhores momentos com crescimento da produção pelos quatro cantos. Os bons ventos também aportaram aqui, proporcionando recordes sucessivos do índice Bovespa, da balança comercial e a valorização do real. Mas o que vemos é o aumento da carga tributária, dos gastos do governo e juros reais irracionais. A sanha arrecadadora, os cabides de emprego, a inépcia gerencial. Empresários pagam 50% ao ano para teimosamente captar recursos para investimento.

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Um quarto dos jovens sofre com o desemprego. Aposentados fazem fila em financeiras para antecipar seus benefícios através da armadilha do crédito consignado. Acuados, aceitamos com permissividade.

Representantes eleitos democraticamente e empossados há poucos meses envolvem-se em todo tipo de desmando. Criam comissões para simular investigações, escondem-se atrás de imunidades, torram o dinheiro dos contribuintes para sustentar interesses pessoais. Enquanto isso, as reformas necessárias ao país aguardam passivamente espaço na pauta de votações de pessoas que, quando muito, trabalham três dias por semana.

Isso tudo é mais do mesmo. Nenhuma novidade. Estamos anestesiados, inertes, algemados. Já não é mais tolerância. É complacência. Uma submissão terrível porque estamos ficando habituados.

Mais um avião cai ceifando duzentas vidas e afligindo, em cadeia, outras milhares. Nenhuma delas recebe Bolsa Família. Em dez meses saberemos aproximadamente o porquê dos fatos. Ninguém será responsabilizado, embora sejam muitos os assassinos. Nenhuma providência enérgica que não seja economicamente desejável será tomada.

Restará aos familiares a voz embargada pelas palavras não ditas, as lágrimas contidas ou pronunciadas que marejam os olhos, o grito oco que consome a alma e depois silencia. E a lembrança de fotos em porta-retratos, mensagens gravadas em correios de voz, cartas amareladas pela ação do tempo.

A vida, que deveria ser abundante, nunca foi tão pequena, nunca esteve tão frágil. A pergunta não é o que vamos fazer a respeito, mas quem serão as próximas vítimas.

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* Tom Coelho, com formação em Economia pela FEA /USP, Publicidade pela ESPM/SP, especialização em Marketing pela Madia Marketing School e em Qualidade de Vida no Trabalho pela USP, é consultor, professor universitário, escritor e palestrante. Diretor da Infinity Consulting, Diretor Estadual do NJE/Ciesp e VP de Negócios da AAPSA.

www.tomcoelho.com.br.

tomcoelho@tomcoelho.com.br.

**Addenda

El epígrafe de la crónica de Tom Coelho corresponde a una estrofa del poema No Caminho com Maiakóvski, del libro homónimo de Eduardo Alves da Costa (1936), publicado hacia 1988. El texto, sin embargo, es anterior: en la década de 1971/80 el poema completo o en versiones fragmentadas contribuyó –como contribuyen las grandes obras literarias– a la lucha por la democracia y contra la dictadura que gobernaba Brasil.

Alves da Costa –hay quienes sostienen que ha escrito entre los más bellos textos de la poesía contemporánea de su país– no es un escritor al que las buenas conciencias bendigan; es difícil encontrar sus obras, incluso aquellas escritas para jóvenes y alejadas del mundo político-contingente. En cuanto a su homenaje a Maiakosky, durante muchos años el poema fue atribuido al poeta ruso, también a Bertold Brecht, sindicalizándose al autor como mero traductor.

Recién con la publicación de su obra poética reunida en cuatro volúmenes: O tocador de atabaque, Salamargo, Poemas quase taoístas y O canibal vegetariano –todos agotados– el equívoco se aclaró (aunque todavía se atribuiye aquí y allá en distintas paginas-web la autoría de esos versos a Maiakovsky).

Más información sobre el poeta puede encontrarse en el artículo de José Nêumanne O autor dos 15 versos que Maiakovski não escreveu, publicado y distribuido en 2003 por Brasil News.

El texto completo de No caminho, com Maiakóvski es el siguiente:

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiacóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – Mentira!

Corresponde agradecer a Tom Coelho por habernos acercado a un gran poeta.

Piel de Leopardo.

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