BRASIL: UN AÑO DE CULTURA LIBERTARIA. EXPERIENCIAS
O Espaço Cultural Comuna Libertária acabou de completar um ano de vida. Foram dias, semanas e meses bem sucedidos?
Foi com certeza um ano de muito trabalho e dedicação. Nossa avaliação é de que, por um lado, a Comuna atingiu um dos seus objetivos que era criar uma referência, uma maior visibilidade para o anarquismo aqui em Fortaleza.
Realizávamos entre 5 a 6 atividades por mês, que iam de palestras, debates, exposições, vídeo-debates, oficinas, festas. Além de atividades permanentes como grupos de estudos, teatro, serigrafia, uma biblioteca que registrou mais de 400 empréstimos em um ano e a Gato Negro, uma lojinha para distribuir livros, revistas, jornais, zines, informativos, camisas, adesivos, cd´s e todo tipo de material libertário. Isso tudo não é pouca coisa para uma cidade como Fortaleza! E até onde sabemos nunca existiu um espaço com estas características aqui na cidade.
Por outro lado, praticamente toda nossa militância foi absorvida no espaço e isso nos impediu de avançar em outros aspectos, sobretudo políticos, que estão além do fato de termos ou não um espaço. Com tudo isso ainda enfrentamos problemas financeiros muito sérios e quase fechamos. Só conseguimos permanecer no espaço por que a partir de julho passamos a dividi-lo, com todas as despesas, com o Grupo de Capoeira Angola Pelourinho (GCAP).
Como o espaço agora não é só dos anarquistas (apesar de ainda permanecer com o mesmo nome) não vimos mais necessidade de continuarmos com o Coletivo Comuna Libertária, e por uma questão de afinidade política, a maioria do pessoal entrou para o Coletivo Ruptura, que é o grupo anarquista que atua no espaço. Continuamos com a serigrafia, a biblioteca, arquivo, com sala para reuniões, com a Gato Negro e embora tenhamos diminuído o volume de atividades, algumas continuam acontecendo.
Qual a importância da solidariedade, do apoio mútuo e da cumplicidade num projeto como esse?
Aprendemos uma coisa muito importante: quando se entra num projeto assim, tem que ser com pessoas que estão dispostas a entrar em acordo sobre o que irão fazer e como irão fazer. Se uma parte quer caminhar por ali e outra por acolá, no fim das contas não se chega a lugar nenhum.
Sobre a solidariedade, ela sempre foi um princípio do anarquismo, mas sabemos da dificuldade que os anarquistas têm de serem solidários uns com os outros. Não dizemos isso em termos pessoais, mas no sentido de apoiar e prestigiar iniciativas concretas dentro do movimento.
Vejamos por exemplo, a questão de apoios financeiros. Embora a maioria da galera no Brasil enfrente dificuldades financeiras sérias, muitas vezes o problema é uma questão de opção. Tem gente que prefere gastar grana com coisas que não estão ligadas a projeto nenhum e que no fim das contas acabam não contribuindo nada em termos políticos. Além disso, existe uma idéia de que anarquista não pode comprar nada de anarquista, dos outros é normal, mas de anarquista não!
Vejamos a dificuldade que as editoras anarquistas do Brasil têm pra continuar existindo? Elas fazem um trabalho simplesmente formidável e apesar disso, quantos anarquistas no Brasil você conhece que compram estes livros? No nosso caso, a maioria das pessoas que compram materiais da gente não é militante! Usamos o exemplo das editoras por que elas são um exemplo concreto de como podemos tecer uma relação de solidariedade na qual todos saem ganhando.
Elas se demonstram dispostas a ajudar da maneira que podem numa coisa muito importante que é a formação de bibliotecas anarquistas, coisa que todo grupo deveria se preocupar em fazer. Por tudo isso, pensamos que é importante que cada grupo procure suas próprias formas de autofinanciamento. Se chega dinheiro de algum lugar, é importante que seja investido na construção pelo menos de uma estrutura básica que permita alguma margem de independência. Foi o que procuramos fazer.
E qual o perfil das pessoas que freqüentam o espaço? Vocês conseguem envolver a vizinhança nas atividades?
Durante o primeiro ano, o espaço foi freqüentado basicamente por jovens, sobretudo anarco-punk’s, anarquistas e simpatizantes, mas também por gente que teve seu primeiro contato com o anarquismo lá. Depois do primeiro ano, quando passamos a dividi-lo com o GCAP, o espaço passou a ser freqüentado por pessoas ligadas à capoeira angola e mais recentemente pelo pessoal que faz parte do Movimento Passe-Livre, já que as reuniões e algumas atividades são feitas lá.
Sobre a participação da vizinhança, ela ocorreu em algumas atividades, sobretudo naquelas não diretamente ligadas ao anarquismo. Isso é um exemplo de que se quisermos que as pessoas se interessem e compreendam o anarquismo, temos que relacioná-lo com questões concretas do seu cotidiano.
Os anarquistas têm que encontrar meios de estabelecer esse diálogo, de construir essas pontes. Compreender isso e ter disposição para fazê-lo nem sempre é fácil para um movimento acostumado a voltar-se para si mesmo.
Dentre as diversas atividades, qual trouxe o maior público?
Bom, as atividades que atraiam mais pessoas eram as festas, claro! Fazíamos uma por mês e eram praticamente as únicas atividades pagas realizadas no espaço. Mas a maioria das outras atividades, principalmente as palestras e os debates, mas também o Grupo de Estudos Sobre Anaquismo, que acontecia todo sábado, também contavam com uma boa média de pessoas.
Pra citar algumas muito boas, teve a palestra com o Rogério sobre sua militância na Federación Anarquista Oriental durante a ditadura no Uruguai e o debate «Para onde caminha a sociedade do trabalho?» com a Ilana do Coletivo Contra-a-Corrente e o Ronaldo do Crítica Radical, em maio.
Vocês editam alguma publicação?
Sim, editamos um boletim chamado Coluna A. O primeiro número tinha título bem sugestivo: A Anarquia não cai do céu!
Agora estamos num processo de aprofundamento de discussões que giram em torno de um projeto político do coletivo e que será o tema do próximo número. Além disso, estamos editando alguns textos que achamos interessantes em forma de brochuras. As duas primeiras são Escritos Revolucionários, do Malatesta e O Anarquismo Hoje, do Jorge Silva. São textos que já existem em livro, mas em forma de brochura sai mais barato pra editar e distribuir. No mais copiamos materiais de outros grupos e distribuímos na Gato Negro.
A Comuna está fincada sobre um cemitério indígena, não? Conte um pouco essa história…
Na verdade, a Comuna encontra-se no local de um antigo aldeamento indígena potiguara. Pra ser mais preciso, ela fica bem em frente ao antigo pátio principal do aldeamento, onde depois da expulsão dos jesuítas pelo Diretório Pombalino, que transformou todos os aldeamentos em vilas, foi fixado o pelourinho.
Esse instrumento de tortura e castigo que representava o poder político e repressivo da Coroa portuguesa, ficava bem em frente onde hoje é a Comuna Libertária. Sobre o cemitério, os indícios mais fortes apontam que é a Igreja Matriz da Parangaba que fica em cima dele. Essa coisa de contruir templos cristãos sobre territórios sagrados dos índios foi uma prática corrente dos conquistadores em toda a América. Era uma forma extremamente violenta de representar o triunfo da civilização cristã-ocidental sobre as formas de vida e de pensamento dos povos nativos.
Como cearenses, imagino que algumas histórias curiosas ou engraçadas tenha se passado na Comuna, certo?
É verdade! A maioria delas diz respeito à reação das pessoas da vizinhança. O visual da Comuna, e também da galera, causou muita confusão e curiosidade. Como as portas e a janela são vermelho e preto, tinha gente que chegava e perguntava se lá era terreiro de macumba ou alguma sede de torcedores do Flamengo.
Logo na primeira sala da Comuna, que dá bem de fente pra rua, ficavam duas bandeiras pretas com o «A na bola» e ai já viu… perguntaram se era uma sede do A.A (Alcoólicos Anônimos). Mas isso foi pouco! Bem em frente à Comuna, fica um cara, o Gilvan, que tem uma banquinha de vender bala, cigarro, pipoca… e o pessoal sempre ia lá comprar cigarro e tal.
Ai um dia, sem maldade nenhuma, ele reclamou pra um de nós: » Meu irmão, eu já tô puto! Toda hora chega gente aqui e pergunta ‘o que diabo é isso ai?!’. Mas podem ficar tranquilos que pra todo mundo que pergunta eu explico bem direitinho: meu irmão, isso ai é uma seita!».
Nós demos boas gargalhadas com tudo isso. Mas era mais no começo. Depois que passamos a fazer atividades na praça e a divulgar folhetos explicativos sobre o espaço e as atividades, ai o pessoal vinha nos parabenizar e dizer que era bacana o que agente tava fazendo.
Atualmente quais atividades estão levando a cabo?
Após um período de crise, quando quase perdíamos o Espaço Cultural Comuna Libertária, nos voltamos para discussões internas. Agora mesmo estamos num seminário interno. Queremos esclarecer para nós mesmos quais os nossos objetivos enquanto coletivo e quais as nossas reais pretensões com o espaço, etc.
Concomitante a isso, nos envolvemos na organização do Movimento Passe Livre em Fortaleza (MPL) que se reúne semanalmente na Comuna.
E o que estão pensando em desenvolver daqui pra frente? Muito trabalho e desafios à vista?
Temos basicamente duas coisas importantes para serem postos em prática até o fim do ano. A primeira é reestruturar as atividades públicas na Comuna Libertária. E reestruturar significa não apenas voltar a fazê-las, mas também, e principalmente, avaliar o alcance e a eficácia delas. Estamos convencidos da pouca utilidade, ao menos para os nossos objetivos enquanto coletivo anarquista, de palestras e discussões sobre autonomismo ou experiências revolucionárias, por exemplo, se as pessoas que comparecem não retornam ao ECCL, ou só retornam em busca de outras palestras e não se organizam para algum projeto concreto.
Reunir pessoas só para discutir nos demonstrou ser insuficiente para construir alguma coisa com um grau de organização e combatividade consistentes. Ainda não sabemos exatamente que atividades fomentariam esta prática dentro do espaço, mas sabemos que ele, o coletivo e o movimento de uma forma geral precisam oferecer mais do que propaganda se quisermos ser alternativa pra alguma coisa.
Outro é continuar e ampliar nossa militância fora da Comuna e para além do próprio movimento anarquista, mais concretamente dentro do Movimento Passe-Livre. Achamos o MPL importante, em primeiro lugar, porque tem princípios muito próximos dos nossos: é apartidário, independente, horizontal e federalista.
Em segundo lugar, é um movimento que parte de uma reivindicação concreta e muito abrangente, já que o passe-livre favorece à grande maioria da população que depende do transporte coletivo.
Na nossa concepção, nenhum movimento revolucionário pode se desenvolver se não conseguir conciliar conquistas concretas com o desenvolvimento de formas de consciência e de organização que ponham em questão o caráter mercantil, excludente e vertical predominantes na sociedade capitalista. Não queremos superestimar o MPL, mas se pessoas conseguirem unir essas duas coisas básicas, consideramos isso um avanço muito importante.
Querem acrescentar alguma coisa para finalizar?
Bom, queremos agradecer de todo coração mesmo a todo mundo que de alguma forma prestigiou, apoiou, torceu para que a Comuna Libertária tivesse êxito. Para nós foi tudo muito válido, seguimos firmes e nos consideramos mais maduros e com as idéias mais arejadas para seguimos adiante agora do que há um ano. No mais, queremos te pedir desculpas pela demora e pela entrevista não ter saído tão engraçada como talvez você esperasse. É que nem todo cearense é como o Hermes, né? (risos) Valeu pela força, pela amizade e pela paciência.
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