Crônica de viagem. – EL OTRO EXOTISMO: UN BRASILEÑO EN PORTUGAL

1.020

Aparecida en la revista Piel de Leopardo, integrada a este portal.

Em Lisboa, fui convidado a me hospedar em casa de um espanhol, um homem distinto, refinado, culto, de hábitos requintados que lhe conferiam um certo e inevitável pedantismo. Casado com uma brasileira, irmã de um amigo meu, simpaticíssima, que me recebeu de forma carinhosa, deixando-me bem a vontade.

Estava em Lisboa há uma semana já, era sábado de manhã e eu me preparava pra sair quando o Sr. dono da casa me comunicava, de forma polida mas direta e objetiva, que naquela noite eles estariam recebendo «pessoas especiais» para um jantar também especial, e que eu (um mero, simples e desinteressante brasileiro, com o qual ele trocou não mais que meia dúzia de palavras durante toda minha estada lá) não estava convidado.

Tranqüilizei a minha amiga brasileira, visivelmente constrangida, dizendo que eu achava absolutamente normal, e fui pra rua feliz da vida como sempre fico quando estou conhecendo um novo país. O sábado era de sol, verão, a temperatura amena e eu aproveitei para passar o dia em Sintra, a 40 minutos de trem de Lisboa. Um agradável passeio.

Voltei a tardinha, a casa toda preparada com requinte e bom gosto para o jantar, tomei um banho rápido e saí pra rua de novo. Lisboa me lembrou muito Salvador, sob vários aspectos, por isso me sentia em casa.

Naquela noite decidi conhecer o bairro de 3926Alfama, conhecido por seus restaurantes típicos. Caminhei muito, como de costume. Tinha almoçado sanduíches e a fome já se anunciava quando avistei um pequeno restaurante de aparência modesta. Ao me aproximar, lá de dentro, um senhor muito simpático me dizia: «Entre por favor , nossa humilde casa é sua». Era uma casa portuguesa com certeza.

foto
Uma antiga imagem de Sto. Antônio, um vaso de flores, azulejos, 4 mesas e pouca luz. Nem bem sentei e o senhor português já me servia uma jarra de vinho tinto e um cestinho de pães. Não havia cardápio e o único prato servido naquela noite era arroz de pato ao forno. Uma senhora sorridente, simpática, com lenço na cabeça e avental bem coloridos me servia aquela simples refeição que eu comia, lambia os dedos e queria mais, tão bom que estava.

Comentava com o casal que eu também cozinhava e que era a primeira vez que eu comia arroz de pato ao forno e tão saboroso. «Em verdad –dizia-me ela– são sobras do pato assado do meio dia que desfiei», e generosamente me deu a receita.

Eu já era o último freguês, o casal sentou-se a minha mesa, curiosos e contentes por estar recebendo em sua casa um brasileiro. A conversa já ia longe, animada, quando ele me perguntou se eu gostaria de ouvir um fado. De imediato, a senhora chamou uma filha, ainda menina, e os três, ele na viola, elas alternando primeira e segunda voz, cantavam para mim um fado tão lindo quanto triste. Eu visivelmente emocionado, com os olhos marejados, assistia àquele singular e singelo espetáculo, congelando a imagem na memória e no meu coração.

O vinho tão bom, a comida deliciosa e o carinho daquelas pessoas tão simples, melhor ainda.

Era quase meia noite quando eu deixava, meio trôpego, o pequeno restaurante, voltando para casa a pé, contente como passarinho novo, eu voava, eu caminhava sob o céu noturno de Lisboa, observando aqui e ali os sinais de um povo tão particular. Uma pequena ruela com casas velhas, chamada Rua do Recolhimento. No alto do portão de ferro daquela casa antiga, uma placa pendurada: Pranto, Escola noturna de canto.

Tudo sabia a fado, a melancolia. Eu não, «eu não sou daqui, marinheiro só…»

Ao descer uma ladeira íngreme, escorreguei e caí de joelhos, quando duas senhoras, visivelmente preocupadas, corriam em meu socorro e uma me perguntava: «Magoou-se?» E a outra: «Aleijou-se?» Eu sorria feliz e dizia, nem um nem outro, muitos antes pelo contrário. Um tipo de humor particular havia naquelas plaquetas, em cima dos balcões doas bares mais populares, onde se lia: Aproveita ben a vida pois vais ficar muito tiempo morto.

Ao chegar em casa (havia esquecido) os convidados todos, ainda, lá. Música clássica, conversa sussurrada, velas, lírios brancos, champanhe, alguns já dormitavam sentados. O charme era discreto mas o tédio não. O tédio nunca é discreto.

Fui apresentado (inevitável) e antes de me retirar alguém me perguntava se eu estava gostando de Lisboa. Respondi sem a menor cerimônia, fiz a diferença de quem fala a mesma língua mas que pertence a outra classe social, mais ainda, a outro hemisfério. Sem esquecer nenhum detalhe (para o espanto do dono da casa) o pato, o fado, o carinho, o tombo e o prazer inigualável de andar a pé, sob o céu noturno de Lisboa, trôpego do vinho caseiro.

As vozes aumentavam de volume, mais champanhe, todo mundo bem acordado, as despedidas efusivas e eu parecia o dono da casa.

No outro dia pela manhã, acordei e me dirigi à sala de refeições, o casal a postos, sentei, tomei silenciosamente meu café da manhã. O Sr. Espanhol levantou-se e, antes de se retirar, me olhou e disse: «Seu Pato requentado surpreendeu e animou nosso jantar de ontem, por isso, sou-lhe imensamente grato». Apertou minha mão e saiu.

«Ele foi absolutamente sincero» dizia-me a minha amiga brasileira antes que eu perguntasse.

«…Povo que lavas no rio e que talhas com teu machado as tabuas do meu caixão…» me lembrei, assim começava o fado que aquela inesquecível família cantou para mim.

—————————-

cgrassioli@hotmail.com.

También podría gustarte
Deja una respuesta

Su dirección de correo electrónico no será publicada.


El periodo de verificación de reCAPTCHA ha caducado. Por favor, recarga la página.

Este sitio usa Akismet para reducir el spam. Aprende cómo se procesan los datos de tus comentarios.