Justin Vaïsse*
Os EUA elegeram um presidente que reúne o resto do planeta, e por isso mesmo possui legitimidade renovada para retomar o diálogo com ele. Um presidente que pode, de modo inédito, guiar e inspirar. Porque, depois do pesadelo sob George W. Bush, ele encarna a América que estava ausente para o resto do mundo: a do sonho americano. Que país europeu elegeria um presidente negro?
Num certo sentido, é muito bonito. Pode-se quase perguntar se a eleição de Barack Obama para a presidência dos EUA não é obra de algum conselheiro genial de comunicação que tivesse chegado ao topo da América para restaurar sua imagem aos olhos do mundo.
Vamos então sonhar: depois de oito anos de presidência Bush, uma perda de credibilidade política e moral sem precedentes (salvo talvez a guerra do Vietnã, mas então havia a URSS), depois de Guantánamo, depois da tortura, depois do Iraque, depois da rejeição ativa a todo esforço voltado para solução do problema do aquecimento global, como se a América não partilhasse exatamente a condição comum aos homens sobre este planeta, eis que, numa só eleição, o país muda a ordem do dia e recupera sua liderança moral.
Porque ela muda a ordem do dia: não é na política externa que Barack Obama reivindica a marca dos Estados Unidos. Certamente ele mudará o rumo, mas não pode apagar oito anos de erros políticos de uma administração arrogante, nem revolucionar o curso diplomático. É por isso que é por aquilo que ela é, e não pelo que faz, que a América recupera sua posição de modelo, de líder – e de uma grande cabeça – dentre as democracias liberais -, no que concerne à questão da diversidade, da inclusão das minorias no tecido da nação.
Ora, como estamos na globalização, o tempo no qual vivemos é o da identidade. Não se anotou suficientemente que essa campanha norte-americana de 2008 tinha, assim como a campanha presidencial francesa de 2007, girado em torno da identidade nacional, mesmo que sob um modo mais implícito. O que é um francês de verdade? O que é um americano autêntico?
Se os ataques da campanha de John McCain contra Obama restaram, no conjunto, com alguma dignidade, toda a retórica dos republicanos sobre “a América real”, “a verdadeira América”, jogaram o papel de reflexos da exclusão sob o modo “ele não se assemelha a nós”. Na França, em 2007, a “crispação hexagonal” (Vincent Tiberj) (1) em torno da identidade e da imigração tinha contribuído para o resultado final, mais que as velhas clivagens sobre a questão econômica. A mesma coisa se passou na Itália, no ano seguinte.
A América, onde a questão racial (um século de escravidão, um século de segregação) é a ferida que mais sangra, acabou de eleger, contudo, um presidente negro. Quem, no mundo, pode dizer o mesmo? Os grandes responsáveis não foram os oriundos das minorias nomeados pelo príncipe, seja ele chamado Bill Clinton, George W. Bush ou Nicolas Sarkozy; esse é um bom começo.
Sonho Americano
Mas, para mostrar que os ideais da República não são abstratos, o valor do sufrágio do povo é suficiente. E, da Assembléia Nacional às prefeituras, a paisagem política francesa, depois de anos de agitação em torno da diversidade, ficou monocolor. Nesse aspecto, o entusiasmo dos europeus por Obama é ambíguo, à medida que os politólogos oriundos das minorias ainda são raros neste continente: “Obama, sim; Mamadou, não”, como o resume Vincent Geisser. (2)
No entretempo de uma redenção de seu passado racista, a América obtém um novo crédito, que não se limita a uma boa operação de comunicação. Ao longo do século XX, modelo interior e liderança externa agiram um sobre o outro. A guerra contra o nazismo acelerou a des-segregação e a luta pelos direitos civis (como condenar em Berlim o que se pratica em Atlanta?); a lei que abre as portas da imigração em 1965 se explica em parte pela guerra fria (o pais líder das nações livres deve dar o exemplo e permanecer aberto).
Com esta eleição de 2008, a América demonstra que possui um “savoir-faire” para conciliar a unidade e a diversidade, um modelo democrático viável de coexistência de grupos étnicos diversos. Sobretudo, elege um presidente que reúne o resto do planeta, e por isso mesmo possui legitimidade renovada para retomar o diálogo com ele. Um presidente que pode, de modo inédito, guiar e inspirar. Porque, depois do pesadelo sob George W. Bush, ele encarna a América que estava ausente para o resto do mundo: a do sonho americano.
(1) A “Crispação Hexagonal” – La Crispation Hexagonale, é o nome de um livro que se propõe a analisar, para além dos aspectos estritamente eleitorais, o estado das coisas na França atualmente, após o pleito de 2007, que conduziu Nicolas Sarcozy à presidência do país. O Autor, Vincent Tiberj, que é pesquisador no Centre de recherches politiques de Sciences Po e ensina no Institute d’étude politiques de Paris, defende a tese de que a questão da imigração subiu para o primeiro plano na disputa eleitoral na França, ao ponto de jogar um papel estruturante no que se decidiu. O autor analisa o que chamou de declíno do suposto consenso multicultural da França, a que chama de França “aberta”, em contraste com o ascenso de uma “França fechada”. Assim, a eleição de Sarkozy teria como causa o uso estratégico da percepção que o eleitorado francês passou a ter da imigração. (N.deT.)
(2) Vincent Geisser é um sociólogo e cientista político francês que também é comentarista em programas de televisão, de onde essa expressão foi retirada e cuja crônica pode ser assistida neste link:http://www.dailymotion.com/relevance/search/geisser/video/x74j46_obama-oui-mamadou-non-une-schizophr_news . É pesquisador no Institut de recherches et d’études sur le monde arabe et musulman (IREMAM/CNRS), professor no Institut d’étude politiques d’ Aix-en-Provence e autor de vários ensaios. Trata a islamofobia como uma forma de racismo que promove a intolerância e a violência contra os muçulmanos e que reforça as raízes coloniais sobre os setores fragilizados da sociedade. No programa – linkado nesta nota – a que se refere Justin Vaïsse, Geisser critica, na sua crônica política televisionada, o que chama de hipocrisia da “obamania” francesa, à medida que a França, segundo ele, estaria muito longe de eleger um presidente negro. (N.deT.)
*Historiador especialista na história norte-americana e é pesquisador na Brookings Institution, em Washington. É membro do Observatório sobre os Estados Unidos da Chaire Raoul-Dandurand em estudos estratégicos e diplomáticos.
Lo curioso es que mientras en USA,se elige un ciudadano de origen africano,en Bolivia uno de origen autenticamente originario,en el Gran Brasil,los afro.brasilianos,no se venpor ninguna parte,salvo en las favelas y en el futbol.Que pasa con el Brasil???Las oportunidades politicas son escasas para ciertas categorìas de ciudadanos nominales.???