Da TV para as urnas: a dissimulação submetida a sufrágio

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A RBS, maior monopólio de mídia do sul do Brasil, tem suas agendas políticas bem representadas nas eleições no Rio Grande do Sul. Candidatos competitivos, criados nos microfones da empresa, concorrem aos cargos majoritários.

Ana Amélia Lemos, do PP, concorre ao governo estadual com o PSDB numa coligação ironicamente chamada “Esperança que une o Rio Grande”. É oposição ferrenha ao governo Tarso, e apoia Aécio Neves contra a Dilma.

A coligação dela, mesmo sem a presença do DEM – que nesta eleição edulcora com seu reacionarismo a candidatura de Vieira da Cunha –, reedita a matriz ideológica dos esculhambados governos Britto [1995/1998] e Yeda [2007/2010].

A associação simbólica da RBS com os setores reacionários do meio rural liderados pela FARSUL foi o cimento ideológico-cultural que sustentou aqueles governos fracassados, tendo como escopo prioritário ser contra o PT, antes de ser a favor de um projeto de desenvolvimento para o Rio Grande.

Lasier Martins concorre ao Senado pelo PDT com o DEM com um slogan não menos irônico: “O Rio Grande merece mais”. Para ser candidato, ele exigiu – e conseguiu –, o rompimento do PDT com o governo Tarso e fazer oposição à Dilma. Sua posição histórica não é a favor do Rio Grande, mas doentiamente contra o PT.

As trajetórias da Ana Amélia e do Lasier se assemelham: por décadas usaram os microfones e as câmeras da RBS para fazer política todo o tempo, todos os dias.

Dispunham de espaços nobres para a crítica política tendenciosa, sob o falso manto da neutralidade e da isenção.

Escondidos num pretenso – e também falso – apartidarismo, sempre propalaram suas perspectivas a partir de uma visão partidária [que toma parte, que toma partido] do mundo.

A visão de mundo de ambos é de direita, neoliberal. É natural, por isso, que como jornalistas engajados [e orgânicos] do conservadorismo, no exercício da crônica política sempre tenham defendido posições ideológicas filiadas ao pensamento conservador.

É difícil encontrar análises políticas isentas e imparciais deles. Não foram repórteres a reportar fatos com objetividade e isenção, mas sim comentaristas [analistas, cronistas] com viés parcial – partidário – de interpretação da realidade.

É fácil comprovar.

Alguém desconhece o posicionamento político deles, em décadas de “jornalismo”, sobre a ditadura militar, a progressividade tributária, a reforma agrária? Sobre as privatizações e o desmonte do Estado nos governos Britto e FHC? A respeito da corrupção no governo Yeda e da compra de votos para a reeleição de FHC?

Como esquecer a defesa inflamada que Lasier fazia dos contratos lesivos dos pedágios, ao mesmo tempo em que na TV conduzia um programa de debates patrocinado pela associação das empresas concessionárias de rodovias?

Eles sempre tiveram lado; o lado oposto ao do PT e da esquerda – por isso agora estão naturalmente juntos com o PSDB e o DEM. Durante décadas reproduziram valores, modos de vida e a cultura hegemônica. De maneira subliminar ou por vezes abertamente, demonizaram o PT, contribuindo para a legitimação de condutas odiosas e maniqueístas nas relações políticas.

Ana Amélia foi eleita para o Senado em 2010. Antes disso, não havia disputado nenhuma eleição, como não tinha exercido nenhuma função governamental, sindical ou comunitária que pudesse conferir a densidade eleitoral esperável de alguém que pleiteia uma vaga ao Senado. No atual estágio dessa eleição, ela ainda se beneficia do efeito inercial de décadas do palanque eletrônico da RBS.

Lasier disputa o Senado contando com o benefício da trajetória de tribuno eletrônico. Esperava resolver a eleição por WO, mas a candidatura do Olívio apenas foi anunciada e a preferência eleitoral dele, que começou no teto, desabou.

Nos debates, ele repete os mantras que usava na RBS contra o PT e o Olívio. Advoga febrilmente em favor da Ford, apesar da decisão da Justiça condenando a empresa a devolver 1 bilhão de reais aos cofres gaúchos pelo descumprimento do contrato. Ele se condói com os diretores da multinacional, que usaram o dinheiro do povo gaúcho inclusive para comprar roupas íntimas, antes mesmo de assentar um único tijolo da fábrica prometida.

A política na contemporaneidade está clivada por dois fenômenos que distorcem a representação pública e corroem a democracia: a mídia e as igrejas. A eleição de comunicadores não é um milagre, assim como não é milagroso o crescimento vertiginoso das bancadas religiosas no Parlamento.

Os comunicadores são privilegiados com a superexposição midiática durante anos a fio, com absoluta liberdade para fazer proselitismo político e entorpecer a mente das pessoas todos os dias. Com a comodidade de não serem confrontados.

Fazem terra arrasada da política e dos políticos para, no fundo, incutirem no imaginário popular a ideia de que a única política aceitável é aquela defendida pelas empresas de comunicação e seus comunicadores. Pura falácia.

A confrontação programática feita com racionalidade nos debates, nos programas eleitorais e na disputa de consciências permite desvendar a natureza das candidaturas que dissimulam seus verdadeiros conteúdos com slogans falaciosos. Conseguir isso é crucial para a democracia.

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