Carlos Grassioli / Na sagração da Primavera, a festa da vida

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As flores dos Manacás junto com as flores dos Ipês, formavam como que um bordado lilás e amarelo na “roda da saia” da minha casa. Nas outras árvores, orquídeas caiam em forma de pingentes. Assim de roupa nova, maquiada, enfeitada de todas as cores e recendendo a perfume forte dos manacás, a natureza em plena primavera fazia a festa.

 

O dia ensolarado, a música vinda do mar e dos pássaros, mais a minha solidão sentada na cadeira de balanço na varanda, à minha espera, completavam o quadro.

Como se viajar fosse apenas um pretexto para se poder sentir de novo, a gostosa e indescritível sensação de voltar ao ninho.
Sim, ninho, porque a exemplo dos pássaros, construímos, pacientemente, buscando ou voando aqui e ali e trazendo no bico, ciscos, galhos secos, um pouco de barro, com os quais vamos dando forma ao nosso aconchego. Mais uns caquinhos coloridos, para pendurar na parede e que nos dizem respeito, através dos quais nos reconhecemos e temos a certeza de estar entrando em casa. 

Costumo dizer que minha casa tem que ter a minha cara e quando digo isso, estou me referindo, mais do que tudo, aos meus valores, que dentro e fora dela, devem estar representados tanto no plano estético como e principalmente no ideológico, caso contrário eu não me reconheço nela.

Assim como, em momentos de desalento e até de raiva, eu não me reconheço num mundo que insiste em dividir-se em classes, ou castas cores, sexos, raças e religiões e que, alem  disso, coloca em risco toda a humanidade ao apostar num capitalismo cego, fadado ao colapso e que tem como maiores premissas o  imediatismo e a competitividade desenfreada. 

Mas, era de outra natureza que eu falava, não da humana, quando iniciei este texto . E aquela natureza que eu encontrei ao retornar de viagem, não estava enfeitada para me receber, nada disso, pois foi só chegar pra que o mundo desabasse de novo em chuvas torrenciais e ininterruptas e mais uma vez, enchentes, milhares de desabrigados.
Assim também é e sempre foi a primavera no sul do país.

A natureza não está nem aí, nem nunca esteve, nem pra mim nem pra ninguém e esta é uma verdade absoluta. Ou então ela é discriminatória e resolve sempre azarar os menos favorecidos.
Achar que o ser humano é responsável pelas grandes catástrofes climáticas, é pura pretensão! Ou intenção de desviar o foco do problema.  Pelo menos no Brasil, a questão é social, porque se todas as pessoas tivessem condições de escolher onde e como morar, o problema seria infinitamente menor e fácil de controlar.

E foi pensando sobre isso, sobre a pretensiosa idéia de que o homem, por si só, pode constituir ameaça à natureza, que eu decidi aproveitar a estiagem para dar uma caminhada na beira do mar, o qual se mostrava calmo e com ondas normais naquela hora.
Para minha grande surpresa, o espetáculo que a natureza oferecia, confirmava aquilo que eu escrevi acima. Ela não está nem aí nem pra mim nem pra ninguém.

Nada menos que seis baleias com seus gigantes filhotes faziam a festa.  A festa da vida! Uma delas, bem próxima das pedras da costa, aproveitava as águas mais calmas pra boiar, de barriga pra cima, com as duas grandes nadadeiras fora da água e num doce balanço, ela dava de mamar ao seu filhote gigante.

Um espetáculo ímpar que me fez sentir ou compreender pela primeira vez, que o máximo que homem poderá conseguir, será subjugar, dominar  ou extinguir-se a si próprio. 

E assim haverá de ser, continuei pensando, se a espécie humana, esse pretensioso punhadinho de poeira cósmica,talvez a única, em todo o universo, contemplada com a inteligência , prova não ser merecedora ao apostar, insistentemente, na autodestruição. No dia em que, definitivamente desaparecer da face da terra, com certeza, ficarão pedras sobre pedras e muito mais. Porque é muito mais. Tudo permanecerá!

Inclusive essas gigantescas bailarinas pretas, por exemplo, essas imensas, inofensivas e amorosas mães, no seu delicado bailado, na sua eterna dança das horas, dos anos, dos séculos, que na sagração da primavera de todos os tempos, nunca precisaram do humano…nem de Stravinsky.

Junto com os demais seres vivos, merecedores da vida, elas reinarão impávidas e absolutas, sem que se quer tenham se dado conta que um minúsculo “inseto” sumiu, literalmente, do mapa.

Diante daquele verdadeiro e inesquecível espetáculo, um momento revelação e um sentimento novo, até consolador:
Me descobri pela primeira vez e definitivamente, enquanto ser humano, mais do que insignificante… absolutamente dispensável!

Escritor. viajero impenitente.
 

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