Em concentração de renda, Brasil rural só não supera Namíbia

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Repórter Brasil
Um "país" dentro do Brasil com 30 milhões de habitantes, com a quadragésima (40a) maior população do mundo, atrás apenas de Brasil e Argentina na América do Sul. Este "numeroso contingente" que forma a "nação" do Brasil rural, mesmo que cada vez menos quantitativa em comparação às multidões dos centros urbanos, continua sendo relevante.

De acordo com estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), que analisou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008 , "as dificuldades a que essa população [rural brasileira] está sujeita produzem, do ponto de vista social, grandes impactos".

A acentuada desigualdade – já destacada em outros levantamentos como o Censo Agropecuário 2006 – é um dos principais traços desta "pátria" fora das cidades. A concentração de renda dos domicílios rurais brasileiros, aferida segundo o índice de Gini, atinge 0,727. Guardadas as devidas particularidades e apenas a titulo de comparação em termos de grandeza, no mundo todo, somente a Namíbia, com 0,743, apresenta índice maior, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 das Nações Unidas . Quanto maior o índice (que vai de 0 a 1), maior a concentração.

Países com concentração acima 0,6 se enquadram nos "níveis extremamente altos de desigualdade social". Além da Namíbia, apenas Comores (0,643) – formada por três ilhas entre a Costa Oriental de África e Madagascar – e Botsuana (0,61) fazem parte do grupo. O Brasil como um todo é o atrás apenas dos três países africanos já citados e de Haiti (0,595), Angola (0,586), Colômbia (0,585), Bolívia (0,582), África do Sul (0,578) e Honduras (0,553).

"A questão da concentração do patrimônio rural no Brasil precisa ser resolvida. O fortalecimento da democracia implica distribuir melhor esse patrimônio", comentou Brancolina Ferreira, coordenadora de Desenvolvimento Rural da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) e uma das autoras da publicação. "Grande parte da mídia demoniza os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária. Eles contribuíram muito para a democratização no campo, que ainda tem um longo caminho a percorrer", completou.

Além da concentração, também surpreende a quantidade de não remunerados em empreendimento do grupo agrícola: eles representam 43% da mão de obra rurícola (veja divisão abaixo). Uma das hipóteses plausíveis sugeridas no estudo do Ipea é que a maior parte desses trabalhadores vive em domicílio em que a família possui alguma fonte de renda.

"Porém, dada a expressividade do número de não remunerados no total da força de trabalho ocupada, é provável que no interior deste contingente encontremos relações precárias de trabalho e desemprego", completa o estudo. Na avaliação do Ipea, este cenário de vulnerabilidade "confirma a atualidade e urgência da reforma agrária como única forma de superar as condições precárias de vida e a pobreza que caracteriza o meio rural brasileiro".

Ocupação

Quase 70% dos grupamento agrícola estão fora de qualquer relação de assalariamento – 43% de não-remunerados e 25% de trabalhadores por conta própria. "Este elevado contingente está sujeito a uma renda instável, sujeita a um conjunto de fatores sobre os quais os trabalhadores não possuem controle", prossegue o comunicado divulgado pelo Ipea na última quinta-feira (1º). "O risco de uma renda insuficiente ao provimento de bens necessidades básicas reforça a importância da previdência social e dos programas sociais de transferência de renda do governo federal no meio rural".

A confirmação do emprego temporário como "elemento estruturante do mercado de trabalho agrícola, respondendo por 43% de empregados ocupados" (confira Gráfico) também sobressai no trabalho do Ipea sobre a PNAD 2008. "A alta taxa de participação dos temporários sintetiza algumas das características ainda dominantes na área rural: sazonalidade das ocupações, relações de trabalho altamente instáveis, baixos salários, trabalho braçal e extenuante e péssimas condições de trabalho", analisa o instituto.

Grau de formalização
Conforme dados selecionados da PNAD 2008, os domicílios rurais abrigam pouco mais de 16% do total de habitantes do País. "A diferença em relação ao tamanho da população das cidades, amplamente majoritária, tem por vezes suscitado a opinião de que a questão agrária perdeu muito de sua importância, e que a questão social se transferiu, junto com os milhões de trabalhadores migrantes, para a cidade", realça o comunicado.

Os autores do comunicado específico sobre o meio rural lembram que "a dinâmica da modernização econômica, que engendrou a acelerada urbanização do país, teve, nas áreas rurais, um caráter conservador: transformou a base técnica da produção, obrigando a mão de obra a migrar para as cidades, sem contudo alterar o padrão fundiário dominante".

"A expressiva repercussão do Censo Agropecuário 2006, os debates fortemente polarizados que a divulgação de seus resultados suscitou, e outras controvérsias relativas ao meio rural, como a proposta de reajuste dos índices de produtividade, confirmam, por si só, a permanência da questão agrária", completa o estudo, que julga as políticas públicas de desenvolvimento rural e o aprimoramento constante das informações relativas aos modos de vida e produção da população do campo como "imprescindíveis".

Nas regiões Nordeste e Norte, por exemplo, a população rural bate 27,6% e 22%, respectivamente. Mais urbanizada do País, a Região Sudeste tem só 8% de sua população residindo na zona rural. A mesma região, porém, abriga a segunda maior concentração de população rural (20,5% da soma nacional). Nesse quesito, a Região Sudeste só perde para a Região Nordeste, que concentra 48% da população rural, como frisa o documento do Ipea.

Na zona urbana, a taxa de analfabetismo para pessoas acima de 15 anos é de 7,5%. Na zona rural, esta mesma taxa chega a 23,5%. A população mais escolarizada, com mais de 11 anos de estudo, representa mais de 40% da população urbana e apenas 12,8% da população rural. A maioria da população do campo (73%) sequer completou o ensino fundamental.

De 2004 para 2008, a porcentagem de domicílios abastecidos por energia elétrica subiu de 81% para 91%, em grande medida graças ao Programa Luz para Todos de eletrificação rural, implementado pelo governo federal.

Por meio dos indicadores da PNAD 2008, o comunicado do Ipea mostra que apenas um terço dos domicílios rurais não possui água encanada. Nas cidades, este percentual não atinge 3%. Outro relatório apresentado no final de março pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que 23% das casas nas áreas rurais do Brasil eram atendidas por saneamento básico em 2008. A cobertura é inferior aos dados recolhidos pelas Nações Unidas acerca da área rural de países da África e da Àsia como Sudão (24%), Nepal (24%), Nigéria (25%) e Afeganistão (25%).

 

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