Carlos Grassioli* / Mayo, mes de las novias…

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Nem tão branca, nem tão radiante, roxa de raiva, isso sim, lá vai a noiva.
Maurício tinha quase tudo para realizar, em fim, seu grande sonho: casar, ter dois ou três filhos e continuar sua vida dentro dos padrões considerados normais; porém, casado.

 

Haviam se conhecido num pequeno parque onde ele costumava correr, quando ela lhe pediu um favor, pois precisava fazer um contato urgente e a bateria do seu celular tinha acabado. Ao devolver o aparelho ela agradeceu sorrindo.

 

Ele gostou do que viu e decidiu, ali mesmo, que havia encontrado sua alma gêmea, sua cara metade e uma boa mãe pros seus filhos.

 

De situação financeira estável, além de um bom carro, que trocava a cada ano, possuía um apartamento de cobertura, decorado ao gosto de um profissional do ramo, sempre limpo e tão bem arrumado que mais parecia uma vitrine, um “show room”. Como se ninguém o habitasse, muito menos um rapaz solteiro.

 

Ali poderiam viver, confortavelmente, o casal e os filhos que porventura viessem.

 

Jovem, ainda, mas sensato, até um pouco apático e pragmático, embora formado e sempre trabalhando na área de publicidade, nunca se deixou morder pela mosca do consumo excessivo. Tinha tudo que considerava necessário e um pouco mais. Alimentava-se bem, saúde boa, não fumava e bebida alcoólica, pouca e socialmente. Em boa forma, fazia exercícios físicos em academia regularmente e até ia à missa, às vezes, aos domingos.

 

Um bom rapaz, um bom moço, centrado, bem organizado, sempre bem vestido e de uma assepsia tal, que chegava a tomar dois ou três banhos por dia.

Neto de uma velha e famosa raposa política, nordestina, que já partiu dessa e que o diabo a tenha; era seu político preferido, por quem tinha grande

 

admiração e em quem se inspirava para se vestir.

 

Além do jornal diário, das redes sociais, Mauricio lia tudo sobre corridas de automóveis, esporte que ele mais gostava, depois do futebol. Nada mais do que isso, a não ser alguns livros de auto-ajuda, indicados por colegas.

 

Vislumbrava, desde já, o que seria sua vida a partir do casamento tão sonhado.

 

Não pensava noutra coisa e tudo fez para que o evento —que seria, como de se esperar, nos moldes tradicionais: primeiro na igreja, depois no civil e com comunhão parcial de bens— acontecesse logo, sem grandes alardes.

 

E mais cedo do que ele imaginava seu dia tão esperado chegou.

 

A igreja toda ornada em corbelhas de lírios brancos. Familiares, colegas e amigos, todos presentes. O noivo ao pé do altar aguardando, nervoso, a noiva que não se atrasou, ao contrário; não só chegou no horário, senão que —curiosamente— entrou sozinha, andando rápido, decidida, totalmente fora do compasso, atropelando inclusive o som da marcha nupcial, revelando um certo nervosismo… ou irritação, que todo mundo atribuiu à uma emoção desmedida.

 

O que ninguém esperava é que ela, ao ser perguntada pelo padre se aceitava se casar com Maurício, respondesse, enfaticamente, que não!

 

Que nunca tinha passado pela cabeça dela se casar e muito menos com um cara medíocre e chato como ele. E que se ele, Maurício, não gostasse, que fosse reclamar do autor, ali presente —apontando pra mim— que inventou essa história tão enfadonha.

 

—Que deus me livre isso de alma gêmea, muito menos cara metade, que a cara dela sempre foi inteira, que não tinha pensado em ter filhos, que a vida é breve, que detesta saber o que vai acontecer amanhã, quanto mais nos próximos anos.

 

Que sempre foi fã de Raul Seixas e Cácia Eller, que “não estava a fim de ficar parada, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a mooooorte chegar” e que nos seus planos a curto e médio prazo não cabia nenhuma pessoa que não fosse imprevisível, sonhadora e aventureira como ela, muito menos um príncipe dando no seu saco, que estava de passagem, não só no mundo como na cidade, e a fim de logo, logo, se mandar pra Berlim ou Nova York e tentar a vida por lá.

 

Que tinha entrado nessa história de gaiata —e dirigindo, de novo o olhar pra mim— sem sequer ter sido convidada, quanto menos perguntada, se estava ou não a fim de participar dessa babaquice e, pior, como coadjuvante; e virando-se para o público gritou: “Alias, alguém aqui sabe meu nome?” Que tinha decidido vir até a igreja porque achou que precisava fazer uma coisa.

 

E descendo degrau por degrau do altar, foi tirando, para o espanto geral, o vestido, o véu e grinalda, mais o buquê e os sapatos de salto alto, até chegar à minha frente e jogar tudo em cima de mim dizendo: “Eu passo! Pega o noivo pra ti, que inventaste essa história chata, ridícula, e não esquece que estou te dando uma chance de não permitir que ela acabe de forma tão óbvia!”

 

Assim mesmo, seminua, de pés descalços, voltou-se para o altar e gritou, para que todo mundo ouvisse: “Eu, hein, senhor padre?” e aproveitando o espaço e a boa acústica da igreja, liberta, dançou, cantou… e gargalhou até chegar à porta por onde saiu, não só da igreja, como da história, para entrar… num táxi.

 

O padre, totalmente atrapalhado, me olhou e perguntou, em tom de suplica, quem sabe então eu, autor e narrador, aceitava me casar com Maurício, afinal o casamento gay já era permitido?

 

Embora compaixão e respeito sejam dois sentimentos que pontuam, invariavelmente, minha relação com os personagens que invento, respondi que não, que estava com pressa e joguei o vestido, o véu, a grinalda e os sapatos no chão, o buquê pro alto, que caiu nas mãos de Otávio, um colega de trabalho de Maurício, que por sua vez aceitou casar-se com ele, por quem sempre foi apaixonado e, se não tiveram filhos, tiveram cachorro, gato e papagaio… e foram felizes para sempre.

 

E saí correndo, desbaratado, atrás da noiva, que tinha cara de Maria Julia, seu nome, portanto.

 

Maria Júlia prometia e merecia, ela sim, protagonizar uma outra história, com certeza bem mais interessante do que esta.

—Moço, depressa, siga aquele táxi!
——

* Escritor.
(Maio 2012).

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