(In)tolerâncias

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Carlos Grassioli.*

Usando avião, trem, moto, carro… e bicicleta, passei por Portugal,( um dia e uma noite em Lisboa) França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Áustria( um dia e uma noite em Viena)e um inusitada viagem à Sófia, na Bulgária.
Em casa, de novo, depois de quase dois meses de mais uma viagem(tão boa, que se pude$$e eu continuaria) "abro a mala" com esta crônica.

Mozart? Uma marca de chocolate barato, vendido no aeroporto de Viena. Síssi? Uma *p*…, um jacu de tão feia. Freud não explicava nada e Hitler havia nascido ali, sim! Aliás, nem o Danúbio era azul.

Lamentavelmente, era esse o sentimento que tomou conta de mim, naquele momento de absoluta tensão, no aeroporto de Viena, quando fazia uma conexão em direção à minha sonhada viagem à, Sófia, capital da Bulgária e fui impedido de entrar no avião.

Surpreendentemente, ao apresentar meu cartão de embarque, o funcionário, que olhou minuciosamente meu passaporte, (porque acredita que quem procura acha… e achou!), me informou que o passaporte deveria estar com uma margem mínima de três meses de validade e o meu expirava dois meses e meio depois.

Fui "convidado" a acompanhá-lo até um balcão onde são tratadas situações iguais ou semelhantes. Eu espumava de tanta raiva e não disfarçava, (não consigo disfarçar minha indignação). Solicitei uma explicação lógica, uma vez que eu me considerava absolutamente habilitado a continuar a viagem. Mas não existe lógica para a arbitrariedade.

Devo confessar que em momento algum fui tratado com agressividade, e os funcionários até se desculpavam. Num momento de pura ira, falei que eu não tinha mais duvidas quanto à origem de Hitler. Ao contrário do que eu esperava, ficaram mais constrangidos, me sugerindo, quem sabe, um telefonema à embaixada da Bulgária solicitando uma autorização, me dando, por escrito, o número do telefone e do fax do aeroporto.

Saí desembestado, tentando ligar de telefone publico sem conseguir.

 Duas mulheres, num outro balcão já haviam notado meu nervosismo e, pra minha surpresa, decidiram me "adotar". Ligaram pra embaixada da Bulgária, com a qual falei (no meu inglês tupiniquim) que informou da absoluta impossibilidade de me atender, mas que eu tentasse falar com a embaixada brasileira, que por sua vez me informou que esse era, realmente, um "entendimento" entre os países em questão, mas que normalmente isso não era, rigorosamente, obedecido por país nenhum da comunidade européia; ou seja: eu havia caído numa espécie de “malha fina”.

Agradeci às gentis funcionárias e me dirigi, novamente, ao primeiro balcão de onde eu havia saído, com um sentimento de muita raiva e frustração, pensando comigo mesmo: volto pra França, que sempre me acolheu muito bem e nunca mais vou botar os pés neste maldito país.

Quando me dei conta de que estigmatizando eu estaria incorrendo no grave equívoco do preconceito e da intolerância, parei, respirei fundo e pensei: esse é o tipo de sentimento que eu combato 24 horas por dia; não vou sair daqui sentindo isso, nem em relação ao país, nem em relação ao seu povo.

Chegando ao balcão —onde todo mundo já me conhecia—, falei (mais manso) nas tentativas frustradas, principalmente sobre o porquê da minha mudança de atitude. Eu voltaria pra França, de pleno acordo, mas só no outro dia, porque me impus como desafio passar o resto daquele dia em Viena, que eu ainda não conhecia, e com isso tentar apaziguar meu coração.

Todos me olharam estupefatos e o chefe do setor me disse que ele mesmo providenciaria um vôo pra mim a Paris para o dia seguinte, saindo em direção ao computador, mas parando de repente no meio do caminho. Pegou o telefone, ligou não sei pra onde e, depois de ter falado muito, deu um giro em minha direção e me disse, sorrindo e num bom inglês, que tinha uma boa notícia para mim: eu poderia, ainda naquele dia, embarcar pra Sófia.

Perplexo e ainda tenso, agradeci, mas insisti em passar a tarde e dormir em Viena, como eu havia decidido. Ok, disse-me ele, sentando no computador e fazendo meu cartão de embarque a Sófia para o outro dia.

"Arrastando" minha pequena mala, ali, no aeroporto mesmo e em 15 minutos, eu já havia escolhido e pago o hotel e um bilhete de ônibus, ida e volta, para o centro de Viena, onde cheguei meia hora depois, ainda com o pesar e desconforto de quem havia tomado um remédio amargo.

Já entardecia quando senti que meu humor havia mudado, porque a fome bateu forte.

Depois de passar por vários restaurantes que sinalizavam boa cozinha, mas caros, vi um, no meio do quarteirão da rua perpendicular àquela em que eu caminhava, aparentemente simples, e fui conferir.

Da calçada, ainda, olhei e me senti no interior da serra gaúcha: um restaurante barulhento, velho, todo em madeira, e lá dentro uma única garçonete, com duas canecas enormes de cerveja na mão direita, e uma bandeja com pratos fumegando que continham salsichões, batatas e chucrutes, na esquerda. Uma espécie de Dulcinéia, redonda e branca como a neve, que decidi chamar de Frrrrrida e que mais parecia um embutido, um salsichão, dentro de uma minissaia bem apertada. Os cabelos puxados pra cima, num coque improvisado, descabelado; no rosto rosado e suado, uma maquiagem já vencida.

Antes mesmo de me decidir, "Frrrrrida" me viu e, sem vacilar, num sorriso amplo, luminoso e em meio a canecas de cerveja e salsichões, gritou pra mim. "Cooommm!" Preparou de imediato uma mesa e, percebendo que eu não entendia nada do que ela falava, com uma expressão calorosa sinalizou pra um “deixa comigo”.

Resumo da "opera": Saí de lá trôpego, de estômago pra lá de satisfeito.

E de alma e coração lavados!

Uma que outra estrelinha tímida se aventurava a sair num céu de um azul noturno, de um dia longo de verão que se negava a anoitecer.

Revigorado e em plena forma de viajante reincidente, Viena era de novo linda, o Danúbio era azul, Mozart um gênio que podia ser escutado pelas ruas e Freud não explicava tudo… mas quase!

E Síssi?… era Romy Shneider… disfarçada de Frrrrida!

* Escritor —e impenitente viajero.

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