São Paulo: pesadelo urbano

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“Socialismo ou barbárie”…vaticinou o velho Karl Marx e não sem razão.
De todos os bolsões de miséria que existem no Brasil, o que se vê na cidade de São Paulo (não por acaso a que concentra a maior parte da riqueza do país), pra mim é o mais chocante de todos.| CARLOS GRASSIOLI.*

 

Uma imensa ferida aberta no meio da pátria amada, idolatrada, salve… salve-se quem puder!

 

Era uma manhã ensolarada de domingo, do mês de abril deste ano. Eu estava lá, caminhando de Santa Cecília, em direção a Campos Elíseos e ao cruzar em baixo do viaduto do Minhocão, deparei-me com um quadro, diria, digno de um “mundo cão”: um número expressivo de tão desumanizados seres. Muitos! Uns dormindo ainda, outros acordando, embaixo daquele imenso e sombrio viaduto.

 

A grande maioria, de viciados em crack e conhecidos como Nóias, que haviam ocupado aquele local já fazia alguns dias, depois de fugir da região próxima dali e conhecida como cracolândia, onde a governo da cidade de São Paulo, com sua política higienista, tentava colocar «alguma ordem».

 

Un horror?… é pouco, muito pouco! Jovens, meninos, meninas, travestis, prostitutas, mendigos, em meio ao lixo, a um monte de trapos, dejetos, objetos, caixas de papelão, colchões e foguinhos improvisados.
Refugiados de guerra, miséria humana é pouco!

 

Horrorizado, saí dali com a sensação de ter levado um soco no estômago e logo adiante, ainda embaixo do Viaduto, avistei uma carro da Polícia, novíssimo em folha, parado, cheio de luzes piscando e um grupo de pessoas em volta. Aproximei-me pra ver o que estava acontecendo: era uma senhora, humildemente vestida, empurrando um carrinho de ambulante improvisado e que, com forte sotaque nordestino e com os olhos cheios de lágrimas, a voz embargada, tentava, em tom de súplica, oferecer a dois policiais, uma das fatias de bolo de fubá, que estava vendendo e com isso convencê-los a provar e constatar que era limpo, gostoso, porque recém feito e por ela.

 

Os dois enormes homens “mantenedores da higiene, limpeza e ordem”, muito bem vestidos e investidos de toda sua autoridade, sem a menor piedade, respeito então, nem se fala, ao contrário, proferindo palavras de intimidação, ameaça e humilhação, jogaram o bolo todo, dentro de um saco de lixo, que um deles segurava nas mãos, aberto.

 

Sem nenhum exagero, esse era o quadro. E foi a gota que faltava pra que eu, num surto de indignação e desespero mais do que gritar, berrasse:
<>Eu não acredto no que eu estou vendo!»

 

As pessoas viraram-se pra mim e os dois policiais, também e me encararam, falando grosso, munidos de todo seu autoritarismo:
«O senhor toma cuidado com as palavras que vai usar”.

VIntimidado, num tom mais baixo, desacorçoado e arrasado, eu olhei bem pra eles, dizendo:
“Eu não quero acreditar no que eu estou vendo” e tonto, saí dali, pra encontrar, logo adiante, grafitadas por artistas de rua e em letras grandes, num dos pilares do viaduto, as palavras acima, que fotografei para melhor ilustrar esta crônica.

 

Mas não tem nada não… mesmo sem ter um violão… enquanto pessoas, caminhões, carros, carrões bicicletas, motos… serras, malufes, kassabs, Opus Dei, mesquitas,frias, passavam por cima e por baixo do minhocão, absolutamente indiferentes ao “refugo humano” de um modelo de sociedade ou sistema pra lá de falido, ali “deitados em berço esplêndido”, expostos entre os pilares do viaduto, eu segui andando.

 

Porque, afinal, tinha sol, era domingo e enquanto não chegava a hora do timão entrar em campo, ou do Domingão do Faustão… o povo na rua, “bem animado”.

 

Uns em volta do churrasquinho de gato, jovens bombados, homens mamados, mulheres frutas, aproveitavam o som da marcha “alegre” que se espalhava na avenida, pra segurar o tchan, dançando tchu tchu tchu, o tcha tcha tcha, no rebolation, na calcinha preta, matando o papai, baixando a bundinha, baixando a popancinha…, tomando todas, no chupa toda, botando tudão, na boquinha da garrafa, na veia…chupa eu, chupa eu…créu!

 

Meu deus! …E você é brasileiro?
…Aaaah se eu te pego!! E eu falo sério!

——
* Escritor.
(Crónica que se publicó originalmente en el diario Folha Popular de Tte Portela).

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