A segunda Guerra Fría: O Cáucaso e as apostas geopolíticas das grandes potências
Johan Galtung*
O Cáucaso pode se converter em uma importante zona de guerra se a Guerra Fria II se intensificar, não com um confronto direto entre Washington e Moscou, mas com várias guerras locais pelo poder, como ocorreu durante a Guerra Fria I. A Geórgia, agora em plena erupção, é um caso pontual.
Em junho de 1997 fui convidado pelos embaixadores da Geórgia, Armênia e do Azerbaijão em Washington para visitar seus respectivos países e explorar possíveis soluções para os conflitos no sul do Cáucaso, de novo hoje em plena ebulição. Minha recomendação na época foi a de formar uma comunidade caucasiana com Geórgia, Armênia, Azerbaijão e as 28 nacionalidades da área, bem como criar uma zona comum onde os três países pudessem se reunir em uma administração conjunta, com um aeroporto internacional ligado por trem com as três capitais.
A geografia colocou o Cáucaso circundado por Rússia ao norte, Turquia a oeste e Irã ao sul, mas agora tem também os Estados Unidos por todos os lados na região. Os norte-americanos finalmente chegaram, após uma impaciente espera, à Geórgia e Azerbaijão, enquanto os russos chegaram à Abjasia e Armênia.
O Cáucaso é atualmente o principal teatro da nascente Guerra Fria II, que implica o estabelecimento de um certo ao redor de Rússia-Índia-China (que representam 40% da humanidade) a fim de controlar a Eurásia (uma “ilha Mundo”, segundo a geopolítica de MacKinder de um século atrás) através da expansão para o Leste da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da expansão para Oeste do sistema de segurança norte-americano-japonês AMPO (com Coréia do Sul e Taiwan como membros de fato).
Além disso, os Estados Unidos pressionam para que Geórgia e Ucrânia sejam incluídas como membros da Otan para aproximarem-se cada vez mais do coração da Rússia. Esta idéia foi rejeitada na última reunião da Otan em um impulso de senso comum, e não por questão de princípios, por outros membros da organização. Aconteceu que, simplesmente, a situação ainda não estava madura para ceder à pressão norte-americana.
A mudança de regime na China é o número 7 dos 10 objetivos geopolíticos contidos no “Projeto para um novo século norte-americano”, que continua sendo um elemento-chave subjacente na política externa dos Estados Unidos. Washington, além de Ucrânia e Geórgia, também implementou funções militares no Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão, Quirguistao e Tajiquistao, em conexão, segundo se afirma oficialmente, com a situação o Afeganistão e, genericamente, com a “guerra contra o terrorismo”. estes objetivos de curto prazo foram aceitos por dirigentes medíocres com o risco de transformar a região em uma zona de guerra na luta pelo poder na Ásia central.
Em síntese, o Cáucaso pode se converter em uma importante zona de guerra se a Guerra Fria II se intensificar, não com um confronto direto entre Washington e Moscou, mas com várias guerras locais “pelo poder”, como ocorreu durante a Guerra Fria I. Para mobilizar as duas partes, o conflito territorial de Nagorno-Karabaj (NK) deve ser mantido vivo como um caso não resolvido. Uma possibilidade para isso é que o Azerbaijão invada NK quando o petróleo o tiver deixado suficientemente rico para poder fazer caso omisso do resultado da última guerra nesse mesmo território. Desse modo se alimentará uma interminável cadeia de vinganças e represálias.
A Geórgia, agora em plena erupção, é um caso pontual. O Exército Vermelho funcionou antes com a tampa da caldeira que era a União Soviética. Quando essa tampa foi retirada, a caldeira vazou. Agora ocorre o mesmo na Geórgia. Ao serem retiradas as tampas das caldeiras de Abjasia e Ossétia do Sul (e da muçulmana Ajar) impuseram-se ali os movimentos de secessão e a rejeição à invasão cultural e econômica por parte da Geórgia, bem com a dependência política do governo georgiano. Por outro lado, as duas regiões estão muito próximas de Moscou, o que não significa necessariamente que querem se converter em parte da Rússia.
Quais são as soluções possíveis? A Geórgia como Estado unitário não tem possibilidades, exceto na propaganda nacionalista georgiana. Como federação as perspectivas seriam melhores, mas a opção mais viável poderia ser a criação de uma comunidade caucasiana integrada pelas quatro entidades. Algo semelhante pode ser aplicado ao ainda mais difícil conflito NK: qualquer tipo de paz deve respeitar os direitos armênios à autodeterminação e a igualdade das partes.
Trocar os direitos humanos dos armênios da NK pelo fluxo de petróleo pode parecer uma solução inteligente para os dois Estados, mas a paz a esse custo seria uma bomba de tempo pronta para explodir a qualquer momento. Além disso, preservar o status quo é injusto para os correspondentes povos e dividir NK deixaria as duas partes inviáveis e insustentáveis.
As ações viáveis poderiam incluir o seguinte:
– NK como um Estado independente obrigado a proteger suas minorias
– NK governado conjuntamente por Azerbaijão e Armênia
– Uma confederação, ou mesmo uma federação, Azerbaijão-NK-Armenia
– O Cáucaso em sua totalidade como uma confederação ou mesmo uma federação e NK como uma parte dela
– A integração de todas as partes da União Européia como uma federação de fato
A paz no Cáucaso implica o afastamento da esfera de influência das grandes potências e o compromisso com políticas caucasianas integradoras. As políticas atuais não conduzem à paz. Um governo georgiano que procura ganhar apoio popular ao reclamar “territórios perdidos”, esperando, ao mesmo tempo, obter o apoio dos Estados Unidos, não fez mais do que agravar a situação e possivelmente pode levar a um confronto maior ainda. São imprescindíveis, por outro lado, comportamentos dignos de estadistas.
*Publicado por Carta Maior. Johan Galtung, professor de Estudos sobre a Paz e fundador da Transcend, organização dedicada à pacificação e ao desenvolvimento (http://www.transcend.org/tup).