A Socialização das Perdas

1.427

Tom Coelho*

O capitalismo nunca esteve tão forte.
A sociedade de consumo está chegando com décadas de atraso aos países emergentes.
E ainda há todo o continente africano a ser explorado, evidentemente se seus habitantes não morrerem antes de fome, guerra ou doença.

“O homem esquece mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio.”
(Maquiavel)

Vinte anos após o crash da Bolsa, em 1987, os mercados financeiros globais voltaram a estremecer. Desta vez, os efeitos mais devastadores não foram sobre os países emergentes. A “bola da vez” não foi o México, a Rússia ou o Brasil, como outrora, ou a China, que certamente ainda terá esta experiência, mas os Estados Unidos.

Operações financeiras sem lastro e estupidamente alavancadas, sobrevalorização de ativos, expansão irracional do mercado de derivativos e otimismo exacerbado, transformaram o patrimônio de muitos investidores em pó. Seria a derrocada do capitalismo? A resposta é: não!

O capitalismo nunca esteve tão forte. E ficará ainda mais. O american way of life, representado pela sociedade de consumo, está chegando com décadas de atraso aos países emergentes. Para alguns, significa comer o que não comiam. Para outros, comer mais e melhor. Daí a explosão dos preços agrícolas. Para outros, comprar produtos, satisfazer a vaidade, buscar conforto e lazer e alcançar status.

Em nossa nação, uma legião de miseráveis está galgando um degrau na pirâmide social. Os países que formavam a “cortina de ferro” caminham a passos largos para mitigar seu atraso imposto pela Guerra Fria. Na China, troca-se com satisfação a liberdade de expressão política pela liberdade de aquisição de bens. E ainda há todo o continente africano a ser explorado, evidentemente se seus habitantes não morrerem antes de fome, guerra ou doença, não necessariamente nesta ordem.

Capitalismo e socialismo, nestes novos tempos, não são antagônicos, mas complementares. A evolução do capitalismo será a possibilidade de todos terem oportunidades de consumo a partir da iniciativa privada e não estatal. O comunismo pelo consumismo. Marx deve estar se revirando no túmulo…

1995. O Brasil instituiu o Proer –Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional–: dinheiro público injetado em instituições financeiras falidas para evitar um colapso no sistema financeiro. Ao custo estimado de 2,5% do PIB, o Banco Central assumiu os passivos de sete bancos, entre eles Nacional, Econômico e Bamerindus, cujos ativos foram transferidos a preço de banana para Unibanco, Excel e HSBC, respectivamente.

2008. O Fed, Banco Central norte-americano, adota a mesma receita para resgatar a seguradora AIG, as instituições de crédito hipotecário Fannie Mae e Freddie Mac, viabilizar a aquisição do Merrill Lynch pelo Bank of America, e dar liquidez ao mercado, numa cruzada de centenas de bilhões de dólares para varrer de circulação papéis podres transacionados. É a socialização das perdas. Os grandes prejuízos que estão sendo realizados são o reverso dos grandes lucros auferidos por poucos investidores no passado. Parte substancial destas perdas está pulverizada nas mãos de pequenos investidores, inclusive trabalhadores que detinham ações das companhias que foram à bancarrota. Dinheiro que muda de mãos, nada mais.

É dever de qualquer Estado construir mecanismos de regulação capazes de proteger não apenas a integridade do sistema, mas também de pequenos investidores que não dispõem de informações privilegiadas e estruturas de hegde para confrontar momentos de instabilidade como estes, quando grandes especuladores deixam um rastro de destruição pelo caminho.

Fundos auto-sustentáveis devem ser criados. Formados a partir de um pequeno percentual das transações realizadas diariamente e geridos pela autoridade monetária, podem simbolizar a tranqüilidade necessária e suficiente ao mercado nos períodos de crise. Mas que fique claro: mesmo estes fundos estarão sendo bancados, em última instância, pelo contribuinte, ainda que em doses homeopáticas.

* Tom Coelho, com formação em Publicidade pela ESPM , Economia pela FEA/USP, especialização em Marketing pela Madia Marketing School e em Qualidade de Vida no Trabalho pela USP, e mestrando em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente pelo Senac, é consultor, professor universitário, escritor e palestrante.

 www.tomcoelho.com.br.

También podría gustarte
Deja una respuesta

Su dirección de correo electrónico no será publicada.


El periodo de verificación de reCAPTCHA ha caducado. Por favor, recarga la página.

Este sitio usa Akismet para reducir el spam. Aprende cómo se procesan los datos de tus comentarios.