Carlos Grassioli / Saudades

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Para meu sobrinho Juca.
O hábito de viver frente a uma belíssima paisagem que me privilegia enquanto espectador com uma fatia generosa de céu, terra e mar, e através da qual a natureza se mostra mais pródiga do que nunca, me permite aprender, entre outros ensinamentos, um pouco de eternidade e muito de infinito. Porém, mais do que tudo, eu aprendo a ser pequeno.

 

O mesmo me acontece em relação aos bons livros que leio, ou diante da imensidão de um céu estrelado

 

Frequentemente, e principalmente no verão, quando a noite é de lua nova e céu limpo, estrelado como agora, apago todas as luzes, me deito no gramado atrás da casa e fico olhando, sempre embasbacado, para o céu crivado de pontos de luz.

 

Fantástico, mágico e imensurável… espelho, espelho meu, existe alguém menor do que eu?

 

Porque é deitado no chão, de costas sobre o gramado, me nivelando aos insetos e aos demais bichos numa espécie de redenção kafkiana do poder do homo erectus e com os olhos bem abertos em direção ao firmamento, que eu consigo enxergar melhor as estrelas, aprender um pouco mais sobre o infinito e sobre o ínfimo espaço que ocupo dentro do universo.

 

Eu acredito que não é nas “alturas”, como muitas vezes nos iludimos, mas a partir do rés do chão —depois de “ter tirado todos os anéis” e deitados, téti-a-téti, de igual para igual com os bichos— que nos elevamos, efetivamente, na escala humana e que atingimos o ângulo, se não perfeito, mais abrangente, não só em relação ao tamanho do universo, mas a tudo que diz respeito à existência, à condição humana.

 

Desta vez, além de “filosofar” bateu, em acréscimo, um tipo de saudade onde se mesclam, mais uma vez, beleza, tristeza… e poesia (isso sim, da condição puramente humana):

 

Primeira infância, sem luz elétrica: de um lado, pobrezas; do outro… belezas. As noites pareciam ser muito mais escuras… e mágicas; e uma irmã, criança também, um pouco mais velha do que eu, não por acaso chamada Deusa, em noites de vaga-lumes juntava alguns dentro de um vidrinho, pra depois, no escuro, jogar com eles cinco-marias .

 

Porque intuía, já, a minha “vocação”, dizia-me que eram estrelinhas, dessas que ficam piscando, e que ela havia recortado em pedacinhos de céu, com uma tesoura, numa parte da abóbada celeste que só ela conseguia alcançar.

 

E eu acreditava, é claro!

 

Inocência? Talvez, e embora a tenha perdido muito cedo, até hoje, sexagenário, eu acredito nisso. Porque quando minha irmã dizia que jogava cinco-marias com estrelas, mais que licença era uma verdade poética.

 

Não obstante tenha tentado inúmeras vezes, nunca consegui, como ela, alcançar as pequenas estrelas, essas que ficam piscando. Porque essa humana Deusa, minha irmã, era, poeticamente, bem mais alta do que eu e, de tão sensível, partiu deste mundo bem antes de mim.

 

Nunca esqueço a última vez que a vi, no leito do hospital, um pouco antes de deixar de existir, sem dúvida alguma um dos dias mais tristes da minha vida. Dona de um senso de humor incomum e com vocação nata pra palhaça, destacava-se, também, por sua sonora e gostosa gargalhada; e ao tentar esboçar um último sorriso, escancarou toda a tristeza de quem sabe que está partindo contra a vontade. E pro nada!

 

Ali também constatei que não existe tristeza maior do que a expressa num sorriso triste!

 

Embarcando na mesma poética à que esta noite me remeteu, e olhando pro céu cheio de estrelas, procuro uma, pequenininha, lá num cantinho, piscando maroto… e é ela, minha irmã. E se eu tenho alguma dúvida… ela então solta sua inconfundível gargalhada, que ecoa pelo cosmos, pelo universo afora! E eu rio junto.

 

Em seguida, de pura saudade, eu choro… e com os olhos rasos d’água, estrategicamente semi-fechados, eu consigo, finalmente, alcançar estrelinhas que piscam… nas lágrimas que juntam uma pálpebra à outra.

Praia da Gamboa, verão de 2011.

* Escritor.

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